O primeiro longa-metragem de Drew Hancock é uma entrega interessante: nada é o que parece ser. O filme começa com um clima estranho e fantasioso, dando sempre a sensação de que há algo desconexo com a realidade das situações. Iris (Sophie Thatcher) conhece seu namorado Josh (Jack Quaid) no supermercado, e nos apresenta uma memória digna de comédia romântica — mas logo fica claro que essa não será a história que veremos.
A maleabilidade de gêneros — terror, comédia, romance, sci-fi — mantém o espectador constantemente na dúvida sobre o que está assistindo. Exatamente por isso, esse é um daqueles filmes que funcionam melhor quando se sabe o mínimo possível antes de assisti-lo, já que ele aposta bastante em reviravoltas e plot twists.
Adorei como a primeira metade do filme nos coloca dentro da insegurança de Iris, e acho que o diretor faz um trabalho interessante ao abordar temas como a competição entre mulheres e as expectativas nos relacionamentos. Mesmo sem saber a verdadeira identidade de Iris, me senti engajada na conversa dela com Kat (Megan Suri). No início, parece que Iris apenas quer ser aceita por Kat, uma mulher que ela enxerga como mais segura e confiante. Kat, por outro lado, transmite um tom de superioridade geralmente reservado àqueles que sentem ciúmes de algo — talvez da inocência e perfeição que Iris demonstra ao valorizar seu relacionamento de forma quase ingênua. Essa dinâmica entre as duas reflete um padrão social mais amplo, no qual mulheres, condicionadas por uma sociedade patriarcal a competir entre si, acabam projetando suas próprias inseguranças umas nas outras.
Gosto também da escolha de incluir um casal gay na trama e do paralelo criado entre Patrick e Iris. Isso dá mais profundidade ao texto do filme, que poderia ter caído em algo monótono e declarativo, mas acaba apostando mais na dinâmica dos relacionamentos do que na questão de gênero em si, o que gera um resultado interessante.
Quando o primeiro grande plot twist revela a verdadeira identidade de Iris, toda essa construção ganha um novo significado, assim como várias cenas anteriores passam a ter outra camada de leitura.
Visualmente, há escolhas estéticas que reforçam essa transformação. Na primeira parte do filme, antes de Iris descobrir sua verdadeira identidade, as cenas são claras, os rostos bem iluminados e visíveis. A partir do momento em que ela percebe que esteve sendo controlada o tempo todo, o filme assume um tom mais escuro e sombrio. A luz retorna no final, quando ela compreende sua condição e parte para uma nova vida, agora livre.
Apesar de Hancock experimentar e misturar gêneros de maneira interessante, ele inova pouco. Tive uma boa experiência como espectadora, gostei bastante do filme e muito da escolha do elenco — mas senti falta de um fio condutor mais coeso que unificasse melhor a narrativa. Ainda assim, a mensagem que fica para mim, e que me faz terminar em uma nota positiva, é clara: só porque podemos controlar algo (ou alguém), não significa que devemos.
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