Anora, de Sean Baker, é uma ousada obra cinematográfica que explora as complexidades das relações transacionais e o desencanto com o sonho americano. Através do olhar de Anora (Mickey Madison), uma jovem stripper navegando pelas águas turbulentas do amor, poder e autoestima, Baker constrói uma narrativa crua e sombriamente humorística. O ritmo do filme é deliberadamente enganoso, começando com um retrato quase lento do romance de Anora com Vanya (Mark Eydelshteyn), filho de um oligarca russo. No entanto, a história dá uma guinada repentina quando Vanya desaparece, deixando Anora para lidar com as consequências caóticas, numa experiência que reflete as reviravoltas inesperadas da vida real.
A narrativa de Baker é implacavelmente honesta, evitando a glamorização em favor de um realismo cru que expõe a natureza transacional dos relacionamentos modernos. A decisão inicial de Anora de aceitar US$ 15.000 por uma semana de companhia revela sua consciência de seu papel em uma sociedade onde afeto e intimidade são frequentemente comprados e vendidos. Esse subtexto transacional permeia toda a história, moldando cada interação e revelando os vazios intercâmbios que sustentam o mundo ao seu redor. Diferente de Uma Linda Mulher, com o qual o filme tem sido comparado, Anora rejeita a ideia do estereótipo romantizado da “prostituta de coração de ouro”. Em vez disso, apresenta sua protagonista como uma figura complexa e falha, endurecida pela objetificação, mas determinada a construir sua própria narrativa em meio ao caos.
Os personagens secundários de Anora também são habilmente desenvolvidos, acrescentando profundidade à exploração das dinâmicas de poder e vulnerabilidade humana. Igor (Yura Borisov), inicialmente retratado como o capanga brutamontes de Vanya, aos poucos emerge como uma figura complexa que desafia os estereótipos convencionais. Seu relacionamento com Anora é um dos elementos mais intrigantes do filme, mostrando o talento de Baker para humanizar até os personagens mais aparentemente irredimíveis. Igor funciona como um espelho para o público, trazendo sensibilidade à narrativa caótica de maneira surpreendente. O vínculo entre eles, cheio de tensão e um toque de afeto genuíno, oferece um vislumbre de humanidade em um mundo quase desprovido de altruísmo.
Anora utiliza o cenário urbano de Nova York para amplificar suas preocupações temáticas. O filme rejeita o brilho de Hollywood em favor de uma estética crua e despojada, capturando a decadência urbana e a ambiguidade moral que cercam seus personagens. A direção de Baker e sua meticulosa atenção aos detalhes conferem autenticidade a cada cena, seja nos ambientes sombrios e enfumaçados do Headquarters – o clube de strip onde Anora trabalha –, seja no caótico e neonizado casamento em Las Vegas que desencadeia a espiral descendente da narrativa. A cidade não é apenas um cenário, mas um personagem em si, refletindo a desorientação interna de Anora enquanto ela luta para retomar o controle de sua vida.
Apesar de seu tom sombrio, Anora não é desprovido de humor. O toque cômico e sombrio de Baker se revela nos momentos absurdos do filme, como as respostas secas de Igor e a postura afiada e sem remorso de Anora. Esse humor negro equilibra as cenas mais pesadas, garantindo que a narrativa permaneça envolvente sem se tornar excessivamente trágica. Os diálogos são afiados, repletos de sarcasmo e cinismo, ressaltando as relações transacionais no centro da história. Baker navega habilmente pela tênue linha entre comédia e tragédia, criando uma montanha-russa emocional que permanece na mente do espectador muito tempo após os créditos finais.
No cerne de Anora está uma crítica contundente ao capitalismo e ao impacto dele nas relações pessoais. Cada personagem do filme está envolvido em algum tipo de transação, seja trocando dinheiro por amor, sexo por segurança ou poder por respeito. As decisões impulsivas e superficiais de Vanya ressaltam sua imaturidade e seu afastamento da realidade, em nítido contraste com o pragmatismo e o instinto de sobrevivência de Anora. O clímax do filme é devastador e catártico, quando Anora é forçada a encarar a dura verdade de que, em seu mundo, nada vem sem um custo. Seu colapso nos momentos finais, cru e sem filtros, é um lembrete poderoso do preço emocional da mercantilização.
Anora é um triunfo cinematográfico que destaca a habilidade de Sean Baker em tecer narrativas complexas em torno de personagens frequentemente marginalizados ou incompreendidos. Ao apresentar Anora não como uma vítima ou heroína, mas como uma sobrevivente imperfeita e resiliente, Baker desafia o público a repensar suas noções sobre agência, moralidade e o custo da independência. O ritmo deliberado, o humor sombrio e o realismo implacável fazem de Anora um exame contundente da decadência moral da América contemporânea. É uma obra poderosa e instigante que fica na mente, convidando o público a refletir sobre a natureza transacional da vida moderna e o preço da sobrevivência em um mundo cada vez mais mercantilizado.