O cinema brasileiro nunca foi muito prestigiado em minha casa e cresci sem grande interação com os filmes nacionais. No entanto, Ainda estou aqui (do diretor Walter Salles) mudou completamente minha concepção da cinedramaturgia brasileira. Não é à toa o que tem-se dito sobre esse filme e eu faço questão de compartilhar minhas impressões do que vi, apesar de ser difícil explicar em palavras todo o sentimento que o longa passa.
Se você se incomoda de não receber resposta de um filho, amigo ou cônjuge cinco minutos após o envio da sua mensagem no WhatsApp, você não consegue imaginar o drama de uma família que não recebeu notícias sobre alguém que um dia saiu de casa e nunca mais voltou.
O chão se abriu sob os pés de Eunice Paiva (Fernanda Torres) quando seu marido e ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello) foi convidado a dar um depoimento para os militares em 1971 e nunca mais retornou. Com o endurecimento da Ditadura Militar no Brasil, esse era o destino de quem poderia ter um mínimo de suspeita sobre associação dita criminosa, situação retratada no filme com detalhes e brilhantismo.
O drama causa um sentimento de impotência, de expectativa. Quem conhece um pouco de história sabe o final, mas você se envolve com os personagens (com as pessoas) de tal modo que é impossível não se sensibilizar com a dor de alguém que viu seu mundo desabar e precisa, sozinha, se reinventar para cuidar da família enquanto espionam, prendem e fazem perguntas.
Fernanda Torres no papel da protagonista se entrega totalmente e o resultado é o mais puro cinema, quando, sem fazer monólogos, você enxerga a alma da personagem. Vemos em cena uma mulher forte, que não desistiu de lutar por sua família quando seu grande amor desapareceu. Lutou também para que houvesse uma resposta, que conseguiu apenas mais de 20 anos depois.
Ambientado na década de 1970, o filme tem uma fotografia impecável, com um jogo de câmeras que conta a história junto com a História. Cenários e figurino retratam com fidelidade cada momento da trama e a trilha sonora liberta memórias, cheias de super hits da década e do próprio momento de perseguição política, com música original de Warren Ellis.
A produção, baseada no livro biográfico de Marcelo Rubens Paiva (um dos cinco filhos do casal), ressalta, ainda, a relevância de se falar sobre o assunto. Há inúmeras pessoas que passaram pelo mesmo drama e prosseguem sem informações consistentes, há algozes que nunca foram devidamente punidos. O mais importante que destaco é: não podemos repetir isso, jamais!
Chorei, sim, mas, principalmente, mergulhei na história. Esse filme faz isso com você: te prende do começo ao fim, como se alguém desabafasse para você em uma tarde. Esse é um absolute cinema brasileiro que vale uma sexta-feira no final da tarde, quando você se desliga do mundo para desfrutar de momentos que importam com quem você ama e está pronto para se emocionar com fatos e refletir sobre a vida.