O novo capítulo da franquia Missão: Impossível – O Acerto Final, carrega sobre si o peso de ser, possivelmente, o encerramento de uma saga que redefiniu o conceito de blockbuster de ação contemporâneo. Tom Cruise, aos 62 anos, não só continua a desafiar os limites físicos em sequências de tirar o fôlego, como também funde sua própria trajetória de estrela incansável à de Ethan Hunt, o agente impossível de ser derrotado. É um filme que, conscientemente, revisita sua história e, no processo, transforma nostalgia em combustível para o espetáculo.
Se por um lado há um inegável charme no retorno de rostos conhecidos e na reciclagem de memórias dos episódios passados, o roteiro de Christopher McQuarrie, parceiro de longa data de Cruise, peca ao tentar conectar excessivamente os fios narrativos das produções anteriores. Essa necessidade quase obsessiva de amarrar detalhes e personagens de outros tempos aproxima a saga de um padrão mais típico do universo Marvel, que nunca foi a vocação da série. Algumas inserções de flashbacks e recontextualizações de personagens e objetos narrativos parecem forçadas, comprometendo a fluidez do início do filme e, paradoxalmente, atrasando o que a franquia sabe fazer melhor: ação pura e sem descanso.
Ainda assim, quando finalmente engrena, O Acerto Final é exatamente aquilo que se espera de um Missão: Impossível: um espetáculo físico, visceral e gloriosamente anacrônico. McQuarrie e Cruise insistem em priorizar efeitos práticos e dublês reais sempre que possível, resgatando a tradição do cinema clássico de ação, onde o perigo é palpável e as cenas de risco carregam peso dramático além do mero virtuosismo técnico. Sequências como a claustrofóbica incursão submarina ou a insana luta sobre um biplano no desfecho são exemplos brilhantes dessa filosofia, lembrando o espectador do prazer quase primitivo de ver um corpo humano no limite.
A própria trama, centrada no embate entre Hunt e uma inteligência artificial apocalíptica batizada de A Entidade, reflete de forma oportuna ansiedades contemporâneas sobre tecnologia e controle. Enquanto vilões humanos como Gabriel, vivido com elegância ameaçadora por Esai Morales, assumem a linha de frente, o verdadeiro antagonista é esse código invisível e onipresente. A escolha é acertada por dialogar com um mundo cada vez mais refém de algoritmos, mas também apresenta um desafio dramático: como odiar e temer algo que não tem rosto? O filme resolve a questão apostando na intensidade das situações e no carisma inabalável de seu protagonista.
Em meio a tudo isso, Tom Cruise faz valer sua reputação de estrela absoluta, tanto pelo empenho físico quanto pela entrega emocional. Ethan Hunt permanece um personagem que recusa o pragmatismo letal dos espiões clássicos; sua obstinação por salvar a todos, mesmo quando impossível, garante o lastro humano da narrativa. O elenco de apoio, eficiente e carismático, reforça essa ideia, com destaque para Angela Bassett assumindo a presidência dos EUA e reforçando o discurso de fé no indivíduo sobre as máquinas e sistemas. É uma mensagem simples, mas eficaz, que encontra eco nas melhores tradições do cinema popular.
Por mais que a estrutura da primeira metade acuse certa fadiga de fórmula e excesso de amarras nostálgicas, O Acerto Final entrega no saldo final aquilo que se espera de uma despedida em grande estilo. É um espetáculo para ser sentido no corpo, mais do que analisado pela lógica. Caso esse seja mesmo o último voo de Ethan Hunt, sai de cena um herói à moda antiga em um cinema cada vez mais entregue a efeitos digitais e roteiros pré-moldados. Nesse sentido, é um filme que resiste ao tempo e, em seu clímax, ainda consegue fazer o espectador, tal qual Cruise, prender a respiração.