Summer Flowers é um puzzle game sobre Mary, uma garota furry bissexual. Ao contrário dos jogos tradicionais do gênero, neste você terá uma imagem que corresponde a um pedaço de narrativa. Cada imagem é como um capítulo de um livro, mas quando você as “conecta”, verá a aventura de uma jovem que vive um processo de autoconhecimento e experiencia uma jornada de amor e aceitação familiar. O jogo é a 1ª parceria entre o Male Doll Studio e Kidakash (@kidakasharts).
Página do Summer Flowers na Steam (precisa estar logado, por ser conteúdo adulto): COMPRE NA STEAM AQUI
Trazer a tona questões de relações de gênero e “quebrar regras” de quem constrói as experiências em games na indústria já consolidada de hoje, é uma das ações que a Male Doll enquanto estúdio vem realizando. Conversamos com a pessoa desenvolvedora responsável pela empresa sobre isso e outras questões. Venha conferir essa entrevista exclusiva!
O que pode ser visto nesse processo criativo é que quem desenvolve na indústria hoje, não vê os games como um artefato politico. O jogo pra mim é uma plataforma pra discutir coisas e enquanto produtor eu vou falar de várias temáticas que não querem discutir em jogos.
(Victor Hugo Da Pieve/Victória Invicta)
TRAJETÓRIA
Formou em Design de Jogos (2014) motivado pela necessidade de contar histórias diferentes que não via em jogos, principalmente tendo a vivência de ser um homem gay. Se uniu a outros desenvolvedores durante a pós graduação e ingressou em um processo de aceleração em Belo Horizonte e partir de 2016 começou a trabalhar com games de maneira informal no For Us Studios, onde lançou seu primeiro jogo chamado Drag Quizz, para dispositivos móveis, obtendo mais de 1000 downloads. Nesse mesmo período criou seu personagem Victória Invicta (Drag Queen), muito influenciada por Rupauls, entre outras. Sentindo a necessidade de aprender skills de vendas, começou o MBA em Comunicação e Marketing (2017), saindo do estúdio em 2018 e em 2019 abriu sua própria empresa chamada Male Doll Studio. Não seria mais o Victor Hugo que faria os jogos, mas seria a Victória Invicta que estaria na ponta!
Tenho como meta de estúdio ter o maior catálogo do mundo de jogos que sejam protagonizados pela comunidade LGBTQ+. Iaí o Summer Flowers é o primeiro passo a esse destino, um tanto longo, de trazer outras pessoas pra desenvolver comigo e nos estabelecermos no Brasil como a empresa que tenha o catálogo mais diverso possível.
P: Os games, sendo produtos culturais que fazem parte da memória afetiva de milhares de pessoas, são também espaços de expressão de “traços” do mundo real. A partir disso, nos conte um pouco da sua trajetória até o momento de abrir uma empresa de games.
R: Fazendo minha pesquisa no mestrado vi que havia uma lacuna muito grande quando se fala de jogos adultos, pornográficos, eróticos, pro público que consome majoritariamente relações homossexuais. O que eu criava era muito pouco feito, porque até então o mercado era todo centrado em visual novel e dating simulators e eu tenho preguiça disso porque tem muita leitura e eu prefiro maior interação nas mecânicas. O Male Doll se posiciona como um estúdio que foca em conteúdo adulto, que pensa e implementa outras mecânicas que não são de jeito nenhum visual novel ou Dating Sim. Numa perspectiva mercadológica, trabalho com alguns nichos de mercado. Não só homens, pelo contrário, tem em torno de 20% de mulheres que acessam os jogos que eu faço. E isso tem toda uma explicação e contextualização, que envolve o processo em como o Yaoi, do Japão, foi inserido no Brasil. Eu sempre me reconheci como homem gay e como eu também faço drag queen falo sobre essas questões.
P: De onde surgiu a inspiração para o desenvolvimento do seu último jogo publicado “Summer Flowers”?
R: Sou muito pouco gamer no meu processo criativo, consumo muito mais anime e cultura pop no geral, além de outras coisas, a inspiração vem muito mais desses outros lugares. O que pode ser visto nesse processo criativo é que quem desenvolve na indústria hoje, não vê os games como um artefato politico. O jogo pra mim é uma plataforma pra discutir coisas e enquanto produtor eu vou falar de várias temáticas que não querem discutir em jogos. Por exemplo, no jogo Agent (focado no público masculino homossexual), o protagonista é um homem hetero que se descobre como voyeur e fica excitado ouvindo ou vendo pessoas transando independente de gênero. A maioria das pessoas na indústria vêem os jogos como artefatos de entretenimento, e os meus jogos são para dar formas e discutir assuntos. Quero fazer as pessoas refletirem e debaterem o que tá sendo proposto ali.
Como a Male Doll tem essa meta de ter o maior catálogo LGBTQ+ do mundo, percebi que não tinha como eu falar de tantas experiências sendo um homem gay cis fazendo Drag Queen. O Summer Flowers é a primeira parceria que faço com uma artista, com conteúdo furry masculino homossexual. Essa menina (kidakasharts) tinha me mandado currículo uma vez, mandei e-mail pra ela e disse que tinha uma base de um jogo e daria pra contar a história que ela quisesse porque é uma mecânica de puzzle que envolve apenas trocar a arte e contar a história. Isso permite que a gente tenha uma receita pra pagar o trabalho que a gente faz porque trabalhar, porque com a Steam é muito imposto. E foi meio assim “eu tenho a base mecânica, vem cá e conta a sua história”, a gente vai posicionar o Brasil como um país que sabe fazer os melhores jogos de sapatão, de viado, de bi. Nós vamos ser o que a indústria não é, e vamos posicionar o Brasil como isso. Então o processo criativo da Male Doll é isso, nós não temos as pessoas pra falar sobre todas as vivências do público LGBTQ+ então nós convidamos outros criativos pra construir essa indústria com a gente e pra falar sobre determinadas pautas. Somos inconstantes e diferentes
P: Sabemos que para criação de jogos é muito importante pensar no fator imersão e diversão. Assim como, é preciso investir de fato na criatividade para criar games que verdadeiramente tenham personagens Gays que sua única função narrativa não seja o “ser gay” como muitos jogos abordam. Qual foi o maior desafio no desenvolvimento do seu último jogo?
R: Isso é um fato e o tanto de problema que isso gera de estereotipar um personagem e limitar ele a ser só alguém de determinado gênero, sem história ou função narrativa, são incontáveis. Você não vai encontrar no itch.io (foi o que constatei na pesquisa do mestrado) jogos que envolvem o protagonismo LGBTQ+ dentro de um universo muito retrô, ou dentro de um universo cyberpank, sci-fi. Esses jogos que vão discutir essas questões LGBTQ+, por também terem ligação historicamente com a origem do yaoi e do yuri, sempre vão pra um lado mais bonitinho, cartoon, uma vivência muito ali do dia a dia na escola, no trabalho. A gente tem na indústria um estereótipo de um gay que se resume a um único ponto narrativo(falando especificamente de homens gays). Já no universo LGBTQ+ abordado pelas produções marginalizadas do itch.io você vai encontrar um outro polo que vão ser experiências determinadas que acontecem em recortes específicos. Pra mim enquanto produtor isso é um sinal de que precisamos olhar pra isso, porque pode virar mais problemas! Ou seja, ou fica algo muito bonito ou muito sofrido quando analisamos narrativas onde o protagonista é um LGBTQ+ e a indústria no geral super estereotipando. Então a gente tem pouca diversidade relacionadas as mecânicas pra discutir questões relacionadas ao protagonismo e vivências LGBTQ+.
“PERMITA QUE EU FALE, NÃO AS MINHAS CICATRIZES”
(Álbum Amarelo – Emicida)
O Male Doll Studio entra com essa perspectiva no mercado: nós não vamos para esse lugar, porque a gente consegue fazer outros tipos de mecânicas, contar outros tipos de narrativas a partir de outros lugares. A gente precisa avançar nessa discussão, porque a comunidade fica falando em polos específicos, nos reduziram a pontos específicos. O que o Male Doll Studio tenta fazer então é não ser reduzido, senão a gente continua reproduzindo uma lógica problemática que é de estereotipar e reduzir nossas vivências. Podemos ter jogos que falam sobre tudo isso que não sejam apenas narrativos, ainda que narrativas deem muita profundidade e falem sobre sentimentos, é possível criarmos mecânicas que falem disso de formas mais profundas mas que não são reduzidas a textos, a esse processo que os visual novels destacam.
Por exemplo: como criar uma mecânica de sair do armário que não seja visual novel? O Boyfriends Rescue que vamos lançar agora em agosto, ele não tem tanta narrativa mas o jogador ganha roupas, e cada roupa tem uma habilidade específica. Pro jogador usar uma roupa ou alternar entre elas, o que ele precisa ver quanto mecânica é: ele aperta um botão, vem um armário, ele entra no armário e ele sai desse armário mais poderoso. Isso foi uma forma que pensamos de reverter a lógica do termo “sair do armário” ser algo ruim, porque toda vez que esses caras saem do armário, sai mais poderoso e com mais habilidades. São pequenas coisas, grandes desafios mas quanto pessoas que estão produzindo esse tipo de conteúdo, temos que observar que mecânicas de jogos também são atravessados pela questão de gênero.
Desenvolvedora Independente, Entusiasta XR, Graduanda de Tecnologia em Jogos Digitais. Organizadora da Women Game Jam BR (RJ), Fundadora do DevGirls Games.
Profissionalmente atua como Analista de Relações Públicas e Gerenciamento de Comunidades na GamePlan. Se aventura fazendo live code, ama doguinhos e fazer parte da Editoria de Games do Terra Nérdica.