Fala Nação Nérdica! Após um fim de semana de pesquisa sobre mulheres no RPG, conseguimos quase 40 respostas para as nossas perguntas. É muito bom ver que as mulheres estão procurando protagonizar em espaços diversos, como é o caso dos role-playing games. No total, obtivemos 37 respostas de vários estados do Brasil (CE, MG, PR, RJ, RN, SC, SP e TO) durante os dois dias de pesquisa, de mulheres dos 21 até mais de 40 anos, e fiquei muito feliz ao descobrir que temos muitas jogadoras e mestras por aí. A ideia do tema veio inicialmente de uma conversa com meu amigo Douglas Malk, aqui da TN também. Estranhamente, nenhum de nós sabia que o outro jogava RPG, para vocês verem como no próprio meio nerd, às vezes esse é um assunto pouco discutido. Quando chegou a data do Dia Internacional da Mulher, após discutirmos muito sobre RPG, o Douglas surgiu com a ideia de fazermos uma pesquisa sobre as mulheres no RPG, e eu achei a proposta maravilhosa. Valeu, Douglas!
O intuito principal dessa quest foi descobrir mais mulheres ativas e presentes no meio, bem como ponderar o protagonismo feminino em todos os âmbitos possíveis, entender como as mulheres foram chegando (muitas vezes tendo que chutar a porta mesmo para conseguir esse espaço) no mundo dos RPGs. Estive acompanhando canais brasileiros que jogam RPG no YouTube, e fiquei curiosa para ver outra demografia de jogadoras. Portanto, sem mais delongas, aqui vão as perguntas e descobertas da nossa pesquisa:
1ª: Há quanto tempo você joga RPG?
O resultado da pergunta 1 foi bem variado, mas deu para notar que, ou as mulheres jogam há muito tempo (algumas mais de 10 ou 20 anos) e as outras começaram há pouco tempo (menos de 5 anos). Acredito que isso demonstra que algumas mulheres entraram nesse meio quando era ainda mais fechado (muito respeito por essa coragem!), e também que o RPG está crescendo com força, principalmente devido ao acesso que conseguimos com novas tecnologias para jogos à distância, sistemas de rolagem de dados (um salve ao RRPG Firecast!), acesso a livros em PDF de diversos universos, e outros fatores. Mas, principalmente, pelo fato de as mulheres terem conquistado seu espaço e continuarem lutando por isso no meio nerd que sempre foi tóxico e machista.
2ª A: Além de jogar RPG, tem experiência mestrando?
Aqui percebemos que praticamente a metade das mulheres já mestrou e a outra metade não, uma porcentagem bem equilibrada.
2ª B: Se já mestrou, comente brevemente como foram suas experiências.
As respostas dessa pergunta foram muito promissoras, apenas algumas mulheres que já mestraram não gostaram da experiência, e isso se deve majoritariamente a não terem gostado mesmo ou preferirem apenas jogar, não comentaram nenhuma história sobre não terem sido respeitadas em mesas por conta de machismo. O resto das mulheres que mestraram gostaram muito, algumas ainda continuam e algumas preferem e quase não jogam! Eu mestrei apenas uma vez e adorei, pretendo continuar mestrando, e foi maravilhoso descobrir tantas histórias parecidas com a minha. Ainda assim, a maioria das mulheres que já mestraram só tiveram oportunidade de fazer isso a partir de amigos homens que abriram o espaço, provavelmente por serem mais predominantes nos RPGs mesmo.
Aqui vão duas das minhas histórias favoritas que recebemos dessa pergunta:
“Eu montei uma mesa só de meninas que nunca tinham jogado RPG e foi fantástico. Uma delas também já está mestrando pras irmãs e amigas. Eu mestrei em eventos também, esses eventos são organizados por mim e pelo meu namorado (que me iniciou no RPG) no nosso bar (42 Bar & Board Games) e até hj sempre foi uma boa experiência.” – Jogadora e mestre do Tocantins.
“Ótimas. Normalmente o pessoal me convida para jogar mas quando chego e pergunto quem vai mestrar descubro que sou eu mesma.” – Jogadora e mestre do Rio de Janeiro.
3ª: Se nunca mestrou, já teve vontade ou oportunidade de mestrar?
Impressionante saber que a maioria das mulheres que nunca mestraram têm vontade de mestrar! Temos que fazer isso acontecer, minha gente!
4ª: Quais desses RPGs você já jogou ou joga atualmente?
Em relação aos RPGs mais jogados, D&D venceu disparado, com 75.7% das respostas, seguido de perto pelos jogos de World of Darkness com 64.9% de respostas. Mas muita gente jogou também Call of Chtulhu (27%), GURPS (18.9%) e 3D&T (18.9%). Quase metade das jogadoras já jogaram outros jogos ou jogos com sistemas próprios (40,5%), com menções a Senhor dos Anéis, Naruto, Cavaleiros do Zodíaco, Tormenta, etc.
5ª: Pode me contar um pouco da sua experiência nesse meio? Como conheceu o RPG, e porque curte tanto esse estilo de jogo? Qual seu RPG favorito?
Tantas respostas geniais! De longe os RPGs mais mencionados pela galera foram D&D e Vampiro, mas tem também as mulheres old-school que gostam de Chamado de Chtulhu, e muitas que amam seus sistemas próprios e histórias originais. Separei aqui as 3 respostas que mais me divertiram:
“Eu tive o primeiro contato com o RPG na escola, sempre via um pessoal com alguns livros e dados “diferentes” comentando algo sobre jogar depois da aula, eu tinha curiosidade mas nunca perguntei sobre o jogo. Em 2012, conheci um colega (que hoje é um grande amigo meu) em um curso profissionalizante, ele comentou sobre RPG na sala e comecei a questionar o que era, então ele combinou de nos apresentar DeD no dia seguinte. Depois desse dia começamos a jogar, jogávamos todos os dias sem falta e acabei ficando viciada em DeD. Alguns anos depois, o Renan(meu namorado ❤️) me chamou pelo Facebook dizendo que havia ouvido falar de mim, que eu jogava muito bem e precisava de jogadores, assim ele me convidou para jogar, graças ao DeD conheci meu namorado e estamos quase completando 5 anos de namoro. Amo DeD, amo Pathfinder, Tormenta e outros, mas meu jogo favorito é Vampiro a Máscara. Conheci essa maravilha 2 anos atrás, o horror pessoal e a interpretação que existe no vampiro me conquistou, sem comentar o quanto amo a história, as seitas, personagens e os clãs (especialmente o clã Tzimisce, tenho até uma tatuagem do clã❤️). Amo RPG, amo criar personagens, vivenciar e criar histórias diferentes e principalmente ter a oportunidade de estar numa mesa com meus amigos e namorado, bebendo, conversando e fazendo o que mais gostamos: jogar RPG.” – Jogadora e mestre de Minas Gerais.
“Comecei a jogar a convite de amigos em 2001. A ideia era apenas ter mais um pretexto para encontrar com um grupo de amigos, acabamos dispersando e busquei novos grupos para jogar. Gosto de jogos colaborativos, e que mexem com a imaginação, e não deu outra: foi amor ao primeiro rolar de dados. Amo Mago a Ascensão, mas o novo Mundo das Trevas vem me conquistando.” – Jogadora e mestre do Ceará.
“Conheci RPG através de amigos que me convidaram. comecei com D&D e me apaixonei. Sou professora, atriz e contadora de histórias e curto este estilo de jogo pois estimula a criatividade, concentração, resolução de problemas e conflitos, oralidade dentre outros. Meu RPG favorito é Vampiro a Máscara, acho a história interessantíssima e é bem focado na interpretação de personagens,. além de que que sempre gostei de histórias e filmes de vampiros.” – Jogadora de Minas Gerais
6ª: Já participou de mesas só com mulheres? Se sim, como foi essa experiência?
Infelizmente, a maioria de nós nunca participou em mesas apenas de mulheres, ou nem sequer teve uma mulher mestrando. Mas foi muito interessante ler que a recepção de várias mestres foi sempre muito boa, e que as mesas de mulheres que têm rolado por aí têm sido geniais. O comentário geral é o de que as mesas apenas femininas não diferem muito de outras mesas, e muitas acreditam que mesas mistas são as mais interessantes por abrirem um leque maior de experiências e pontos de vista, bem como interpretações diferentes de personagens. Sob o meu ponto de vista, concordo com a noção em torno das mesas mistas, sempre joguei com amigos e amigas e nunca houve problema. No entanto, o ponto de existirem mesas apenas de mulheres demonstra que as mulheres sim estão presentes e protagonizando nesse espaço e que é sim possível criar um ambiente não tóxico nos RPGs se necessário.
7ª: Você acredita que existem poucas mulheres nesse meio? Se sim, por que acha que isso ocorre?
“Acredito que hoje há mais mulheres jogando do que há alguns anos atrás. E isso porque temos mais acesso às informações, livros, vídeos, dicas… enfim. Antes me parece que os livros de RPG eram exclusividade de grupos (bem fechados e intolerantes) de nerds que repassavam às mulheres o que haviam recebido de seu contexto social: intolerância e exclusão. Hoje sinto que estamos conquistando um espaço maior em eventos, por exemplo. E isso mostra que estamos adentrando neste mundo e trazendo outras conosco.” – Jogadora de São Paulo.
“Sim, porque as mulheres são muito humilhadas e rebaixadas. Eu vou focar no RPG mas você deve saber que esse é um problema geral que atinge todas as esferas da nossa sociedade. Normalmente os caras que jogam são os famosos “nerds”, eles são frustrados e misóginos, não gostam de mulher porque nenhuma dá bola para eles, porque são grosseiros e machistas. Tudo que eles querem é uma namorada/namorado. Eu entrei em 5 mesas antes dessa que eu estou e nenhuma foi para frente. Porque, normalmente, o mestre e os jogadores manipulavam minhas personagens e eu não aceitava. Vou contar alguns momentos para vocês. Houve uma vez que eu estava jogando com veteranos, contudo esses rapazes não sabiam que eu já havia lido bastante coisa sobre o universo do WOD então manipulavam os meus testes e eu sabia que estava errado. Eles tentavam diminuir meus dados (na rolagem) sem justificar em on/off o porquê. Também não me davam pontos de XP e bônus mesmo que a minha participação na história tenha sido igual aos dos outros jogadores. Também não aceitavam quando eu seguia minha natureza e comportamento. Houve um mestre que queria que minha personagem chorasse e fosse fraca, me obrigando a aceitar que era o meu papel. Quando eu dava ideias não era ouvida, quase nunca podia usar minhas disciplinas e mesmo tirando sucessos o mestre não me dava nenhuma informação (usando Auspícios, por exemplo). Eu sempre era boicotada, faziam piadinhas machistas comigo (se eu ficasse nervosa, era porque estava de TPM ou menstruada) e ficavam fazendo birra quando, apesar de todos os esforços deles, eu conseguia algo. Era uma tristeza só, eu cheguei a pensar em desistir porque não estava conseguindo achar mais a parte legal nessa atividade. (…) Num geral, os caras pensam que mulher não sabe ler, não sabe interpretar, não sabe de nada. É muita insegurança. Por isso muitas mulheres não sentem vontade de participar e acham o jogo infantil porque os caras são. Eu não tenho uma fonte acadêmica para dizer isso, mas, pela minha experiência com jogos de tabuleiro, video game e RPG, eu percebo que as mulheres desde novas são forçadas a parar de exercitar a imaginação para se concentrarem nas tarefas diárias e nos problemas que irão surgir. Os homens não são criados assim, vemos pelo brinquedos, pelas roupas… então eles crescem e continuam tendo acesso a esse tipo de atividade. Contudo, como é algo de praxe para eles, não há um real valor em ter essa liberdade e quando as mulheres conseguem isso, elas se esforçam e se apegam e por isso, acabam se destacando.” – Jogadora de São Paulo (foi necessário saltar uma parte da história devido ao tamanho da fala da jogadora, mas da mesma forma nos solidarizamos com esse relato e ficamos muito felizes em saber que ela encontrou uma mesa onde se sente bem-vinda!)
Esta que lhes escreve tem percebido que cada vez mais o “meio nerd” está permeado de mulheres, até porque o mesmo não é mais uma coisa isolada, que gera bullying e faz alguém especial (para horror do nerd macho que ainda acredita na “friendzone” e que se acha melhor do que qualquer um por curtir histórias de aliens e elfos). Quem sabe até o início dos anos 2000, quando eu levava livros enormes para a escola e era zoada por “gostar de ler”, ser nerd podia ser algo sofrido para muitos. Mas atualmente os filmes de heróis explodiram, não tem ninguém faturando mais que MCU e a DC, Star Wars está ganhando nova saga, bem como Star Trek teve mais filmes, O Hobbit teve 4 filmes novos e Harry Potter também está aí com outra história. É simples, está na hora de aceitar que as coisas pelas quais os nerds se sentiam “isolados” agora são a modinha, e qualquer criança de 12 anos usa camiseta do Batman e do Capitão América.
E a inclusão e expansão não seriam diferentes no universo dos RPGs, gente nova entrando para jogar, o pessoal das antigas dando continuidade, e é assim que seguimos com histórias interessantes e vivendo aventuras diferentes. Hoje em dia, quando digo “não posso sair, vou jogar RPG com os amigos”, ninguém me zoa, na verdade a reação da maioria sempre é “nossa, que interessante, um dia queria jogar também”. Portanto, também acredito que somos poucas nesse meio, mas estamos crescendo.
8ª: Existe diferença entre narradores homens e narradoras mulheres? Se sim, qual é a principal diferença?
Grande parte das mulheres nunca tiveram narradoras mestres mulheres, e não souberam opinar. Mas a impressão da maioria é que a maior diferença provavelmente é provocada pela personalidade e criatividade de cada um, não necessariamente por gênero. Algumas mulheres apontaram que os mestres homens podem ser mais focados nas batalhas e as mestres mulheres mais focadas nos detalhes e narrativas.
Algumas também apontaram que já sofreram machismos em mesa e foram ativamente boicotadas por jogadores e mestres, como é o caso da jogadora de São Paulo que comentou no item 7. Eu também nunca joguei com mulheres mestrando, mas os meus amigos que mestraram sempre foram extremamente detalhistas, e eu como mestre também o fui. Acredito que depende muito da pessoa mestrando, mas é aparente que as más experiências de jogadoras ocorreram devido a narradores machistas.
Bom, esses foram os resultados da nossa pesquisa! Você é mulher e também joga RPG? Gostaríamos de saber sua opinião ou suas histórias sobre esse assunto.
Gostaria de apontar, por fim, que por estes dias, estava repercutindo no Twitter um cara dizendo que as mulheres apanham porque saem com “bad boys”, e que se saíssem com o “nerd quietinho da sua sala que gosta de você” não teriam esse problema. Nós mulheres do meio nerd estamos aqui para desmentir esse carinha e dizer com todas as letras que sabemos que existe muito machismo por parte dos nerds sim. E racismo e homofobia também. Melhor mudar essa noção tóxica, qualquer homem é capaz de violência e preconceito, ser nerd não torna ninguém melhor que ninguém.
Mas nós, mulheres, estamos, estivemos e continuaremos aqui, jogando video games, reivindicando espaço em grandes produções, e criando e vivendo histórias nos nossos RPGs favoritos, gostem ou não.
Por fim, deixamos um espaço para todas as mulheres que participaram fazerem uma propaganda sobre suas mesas! Quero também deixar meu grande abraço ao meu querido mestre de RPG e YouTuber Gabriel do 4Nerds Games, que sobe quase toda semana um episódio do nosso RPG épico de Naruto chamado de SHINOBI, de sistema e história próprios, que já estamos jogando há um ano.
Se vocês pretendem saber mais sobre o universo dos RPGs ou ficaram curiosas, se liguem nessas dicas:
“Pessoal que mora em juiz de fora, se tiverem interesse em jogar, tem vaga na mesa! Estamos jogando Vampiro a máscara, e assim que terminamos, iniciaremos D&D. interessados, podem chamar – 32988597993. Jogamos sempre aos domingos, de 17h ás 23h” – Jogadora e mestre de MG.
“Minha propaganda vai pro 42 Bar & Board Games (Palmas/TO) que busca a inclusão de todas as minorias no meio nerd, incluído aqui board games e RPG e para a Biblioteca das Ancestrais, que é uma plataforma linda no Discord, onde também jogo com a mestre Isa Gimenez.” – Jogadora e mestre de TO.
“Visitem a página da Iwakika no Facebook. Ela é seu primo estão criando um cenário/sistema próprio de RPG. O cenário já tem pelo menos 2 HQ, um vídeo game, uma Fanart e muitas é muitas artes oficiais.” – Jogadora e mestre de SC.
“Mestro num grupo e nossas mesas são ao vivo pelo canal Brenhas e Bribas no YouTube!” – Jogadora e mestre do CE.
“Bem eu narro Vampiro a Máscara Sabá quinzenalmente no Benfica as 15:00, pessoal de Fortaleza que quiser chegar por lá e jogar é só ir atrás da galera do Covil RPG.” – Jogadora e mestre do CE.
Mais uma vez, obrigada a todas que tiraram um momento para fazer a pesquisa e contar um pouco suas histórias dessa coisa maravilhosa e viciante que é o RPG de mesa! Espero muito que o RPG de mesa continue crescendo no Brasil, e que todas vocês continuem jogando, mestrando e se divertindo nas quests que a vida nos dá.
Convido as interessadas a ingressarem no grupo de mulheres que estamos criando no WhatsApp para trocar dicas sobre RPG e maestria e montarmos mesas! Por enquanto vai se intitular Guilda das Mestras!
Quem sabe um dia todas rolemos dados juntas!