Há quase uma década, Florence + The Machine têm evocado o que há de mais etéreo e selvagem em suas composições. Não obstante, Florence Welch se mantém como poeta e musa; criadora e criatura.
No quinto álbum, Florence transforma suas batalhas pessoais em solo fértil para a sua arte, levando em consideração a sua bagagem na luta contra os vícios, a saúde mental e sua personalidade forte e, muitas vezes, incompreendida.
King abre o álbum como o statement pessoal do lugar que o eu lírico ocupa na construção da narrativa. “Eu não sou nenhuma mãe, eu não sou nenhuma noiva, eu sou Rei” são as palavras que regem toda a canção ao tratar sobre suas ambições e seu processo criativo. Florence utiliza simbologias muito fortes sobre a necessidade da dor para conseguir produzir. “Mas você precisa do seu coração apodrecido / Sua dor deslumbrante como anéis de diamante / Você precisa ir pra guerra pra encontrar material pra cantar”.
Dance Fever retoma o uso dos símbolos religiosos, que estavam pouco presentes no seu antecessor, High As Hope. Free faz menção à morte de Cristo, assim como a extasiante Choreomania, inspirada em um ritual típico da Idade Média em que seus adeptos dançavam à exaustão, fazendo referência ao episódio em que 400 adeptas dançaram até a morte. Quando canta sobre a suposta morte do rock, Florence cria o cenário da volta messiânica, mas em termos não convencionais, fazendo crítica à idealização e ao preciosismo lançado sobre o gênero musical.
Florence, como todos nós, nutre um sentimento melancólico sobre os anos pandêmicos, enquanto também louva o conforto da vida comum, os corações partidos e a sensação agridoce da volta à “normalidade”, como nas canções Back In Town e Girls Against God.
O álbum como um todo é uma montanha-russa que atravessa a perda, melancolia, a paixão, mas, acima de tudo, Florence Welch e sua eterna essência indomável. Quando consideramos toda a obra, encontramos um eu lírico que está se (re)descobrindo em meio ao caos, em meio à necessidade de externar o que o atormenta e fascina, ao mesmo tempo; não delimitando fronteiras entre o bom e o ruim, o santo e o profano. Não há distinção entre preto e branco, mas há todas as nuances dos tons de cinza.
Em meio à sensação de deslocamento e vazio, Florence faz de si a musa na qual se inspira para a criação de sua masterpiece. Segue demonstrando neste álbum que mesmo adaptando-se às mudanças da indústria, há espaço para a sua essência que não se contenta em entregar mais do mesmo.