Como estamos no mês do Orgulho LGBTQIA+ e nosso site trouxe essa semana inúmeras matérias importantes voltadas para a voz da comunidade em questão, trouxemos um artista independente que tem a resistência presente em toda sua vida e trajetória artística e segue lutando pra conseguir permanecer em seu espaço de destaque.
Marlon Pierre, tem 26 anos, capricorniano, adora se montar usando body e dando destaque à exuberantes maquiagens e flutua no meio cultural com muita maestria sendo designer digital, idealizador e produtor de eventos e DJ voltado para o público LGBTQIA+. Atualmente, o artista está no último ano do curso de Produção Cultural, na Universidade Federal Fluminense, em Rio das Ostras onde se reside e se desdobra em mil com seus projetos incríveis. Já conquistou um público forte, no qual é considerado um dos maiores DJ’s de destaque da Região dos Lagos, tocando em Rio das Ostras, Macaé, Cabo Frio e até nas choppadas da UFF de Nova Friburgo e Nitéroi. Também é o idealizador e produtor da festa “FAROFA”. E vamos com calma que temos muita informação sobre sua trajetória cheia de resistência e pela arte que transborda em forma de amor.
INFÂNCIA
Nascido e criado em São João de Meriti, Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, Marlon cresceu com o apoio de sua grande família sempre presente no seu crescimento. Com uma infância tranquila sendo cuidado pela parte materna, a Igreja Batista esteve presente em sua vida de forma muito engajada, na qual ele participou do coral, coreografias, curso de libras e até cuidando das crianças nas prestigiadas EBF’s que muitos de nós já frequentamos. Porém, desde cedo sentia uma dificuldade em entender suas questões, pois como disse era uma “criança viada” que adorava dançar, cantar, frequentava aulas populares de lambaeróbica com sua mãe, e por conta disso sempre ouvia comentários homofóbicos, como toda criança afeminada ouviu na vida.
VIDA ACADÊMICA
Nosso artista estudou em escola pública boa parte da sua vida e as limitações educacionais dificultaram bastante seu sonho de infância, ser Biólogo Marinho. Depois que terminou a escolaridade, engatou no pré-vest social na tentativa de suprir as dificuldades que enfrentou.
Apesar disso, não conseguiu ingressar de primeira em Biologia numa tentativa pelo SiSU. Sabemos muito bem como é difícil disso acontecer, ainda mais quando se tem uma pressão enorme de ser considerado o mais estudioso da família. Ele então decidiu cursar Engenharia Ambiental, por influência da tia, na UVA da Tijuca pelo FIES, no qual fez apenas um período. Tempo suficiente para perceber que a sua vocação na verdade era o meio da comunicação e da arte. Foi quando, a convite de um amigo da faculdade, começou a escrever sobre música pro site “Frequência Urbana”, no qual também cobria eventos e shows no Circo Voador e na Fundição Progresso, na Lapa. Além disso, aos 18 anos, Marlon já trabalhava como ‘boy’, andando a pé entregando e pagando documentos em Copacabana e quando tinha tempo, se dedicava escrevendo pro site, daí veio o estalo de mudar o curso para Jornalismo.
A REVIRAVOLTA
Ao mesmo tempo em que se desdobrava profissionalmente, Pierre começou a questionar sobre sua questão racial e sexualidade, e quando se permitiu ser “viada”, como ele mesmo disse, teve de lidar com todos os perrengues que foram surgindo. Nesse mesmo tempo começou a namorar escondido de sua mãe, Jaine da Silva.
“Até eu entender foi tranquilo, mas quando entendi foi difícil lidar com as perguntas, os questionamentos, veio tudo ao mesmo tempo.”
Em 2014, sua mãe o expulsou de casa depois de uma briga intensa quando descobriu que ele já estava namorando. A partir daí, passou a morar com o pai, Samuel de Almeida, em Belford Roxo, e foi sendo consumido pela depressão que foi mascarada por muito tempo. Mergulhou no mundo das séries, chegando a assistir 7 vezes todas as temporadas de Friends. Nessa mesma época ele já flertava com Produção Cultural, mas por descuido e falta de auxílio da própria faculdade, perdeu o FIES já tendo cursado 6 períodos da faculdade.
“Mesmo sendo bem acolhido pela família do meu pai, foi um momento sombrio que eu não tinha noção que estava inserido nele.”
AUTOCONHECIMENTO E RESISTÊNCIA
Com o tempo, percebeu que era necessário permitir conhecer a si mesmo, foi se desconstruindo nas relações e principalmente em sua imagem, entendendo o que gostava de usar e como queria ser visto pelas pessoas.
“Nunca fui a criança que vestia as roupas da mãe, mas sempre tive uma feminilidade presente, principalmente na voz. E quando estava morando com meu pai, já fazia um tempo, comecei a usar umas roupas 100% gay, me vestindo como eu realmente queria e fui entendendo o que é ser gay e buscar a militância pra conseguir resistir.”
Morou por volta de um ano e meio com o pai e foi super bem acolhido pela família, mas quando voltou pra casa da avó materna, por conta da igreja, aos poucos entrou naquela fase da cura gay, que facilmente foi deixada de lado. Mesmo morando perto de sua mãe, demorou 3 anos para voltar a falar com ela, quando percebeu o erro e pediu desculpas, se aproximando e tentando entender como seu filho realmente é.
“Eu fui a maior pedra no meu sapato. O maior empecilho nessa trajetória foi eu me questionar muito sobre não me reconhecer. Era uma época que ouvir ser chamado de ser preto e viado era um xingamento. Eu alisava meu cabelo, então foi difícil me conhecer e entender quem eu era, mesmo tendo meu ciclo de amigos LGBT. E óbvio que é a sociedade que forma essas barreiras e faz nos encobrir.”
FAROFA
Em 2015, nosso queridinho era promoter de eventos da conhecida Eclética, dentre outras relacionada ao público LGBT, e com o incentivo do namorado, deu iniciativa no processo de criação de seu próprio evento. A ideia de se chamar “FAROFA” veio da expressão “pop farofa”, que surgiu durante o processo na busca da identidade visual que foi feita com a ajuda de seu namorado, Raphael Días, que trabalhava como diretor de arte.
Como Marlon já escrevia, fez todo o material escrito do projeto, levando para as boates e apresentando o evento no intuito de finalmente colocar em prática. E rolou, na primeira edição em Botafogo, o Rio de Janeiro foi tomado por uma tempestade daquelas em que no caminho diversas pessoas detalharam ter tido dificuldade para chegar no local. Não teve prejuízo, conseguiu pagar todas as contas mas ficou no zero a zero. Na segunda edição, a relação com o público melhorou mas não era rentável o suficiente para conseguir dar continuidade. Foi a partir da sua própria festa que Marlon Pierre tocou a primeira música como DJ. Na tentativa de se permitir ousar numa nova área e diminuir os custos da produção do evento, ele tocou nas duas edições de sua festa.
FACULDADE E O INÍCIO DA CARREIRA COMO DJ
Em 2017, passou pelo SiSU para cursar Produção Cultural, na UFF de Rio das Ostras, e se encontrou completamente no curso. Já tendo compreensão de suas questões, se apresentava como “bixa preta da baixada”, tanto que no seu trote foi escrito “Bixa Preta” na barriga.
Mesmo tendo tocado anteriormente em sua festa, FAROFA, o artista diz que sua vida como DJ só deu o start necessário quando tocou na festa destaque da própria semana de recepção, a UFFANTASY. A partir dalí começou a tocar frequentemente nas festas da faculdade do interior, mas por conta do baixo orçamento de produção, seu pagamento foi por muito tempo a base das cervejas que consumia. Ele começou a se questionar sobre se permitir manter nisso e procurou seu lugar como artista se cobrando cada vez mais pra se lançar.
“Por isso que eu falo que a minha carreira real foi a partir da UFF Rildas. Na época não tinha tanta gente muito bixa, como eu, que tocasse pop e quando toquei pela primeira vez, só música de bixa, foi algo transformador e muita gente gostou ao ponto de ser chamado pra tocar em todos os eventos da faculdade, que rola até hoje.”
O SER ARTISTA E A RELAÇÃO COM O PÚBLICO
“Não vem pedir funk que eu estou tocando pros meus, pras bixas, pras sapatão e quando eu tocava funk era uma coisa bem bixa e se tornou muito forte no meu trabalho.”
O DJ não produz um setlist antes de estar no local, por gostar de improvisar e fazer acontecer conforme a leitura visual dos corpos na pista de dança. Improvisando, ele consegue trazer nos seus sets um sentimento em que as pessoas possam se sentir elas mesmas, com o intuito de se libertar e exaltar o público. Com isso ele começou a performar coreografias enquanto tocava e muitas das vezes chamando o pessoal pra subir no palco.
“É incrível sentir que as pessoas se sentem representadas pelo meu set e, como eu gosto de olhar pra todos, me gratifica ver as pessoas dizendo que tô tocando a música da vida delas, então eu acabo chamando pro palco pra dançar. É difícil você encontrar alguém que saia do fone e comece a rebolar e eu me permiti isso e acho que o fato de ser uma bixa preta que se destaca, é importante pra que me identifique com todos.”
Além disso, também mantem-se aberto ao diálogo com o intuito de mostrar que é necessário mostrar nossa voz e a nossa resistência por meio da arte. Quando saiu “This Is America”, single do cantor Childish Gambino, vendo a importância que a música evoca nas pessoas ele disse:
“… assim que lançou, toquei a música numa choppada e peguei o microfone pra falar muita coisa que tava engasgada. É importante a gente falar sobre a nossa luta. Até porque através da minha arte eu tento transmitir toda a minha vivência e um pouco da dos outros. E aconteceu de uma forma tão natural que o público gostou e é por isso que eu sempre pego o microfone e falo pois sei que é necessário dar a voz pros meus.”
FAROFA EM RIO DAS OSTRAS
A FAROFA que estava estagnada desde 2016, voltou a ativa no ano passado em Rio das Ostras. O produtor conversou com Raphael no intuito da aprovação, já que os dois produziram a festa no Rio juntos, e foi tranquilo. Dessa vez quem estava ao lado de Marlon na produção foi seu amigo, e também estudante de curso, Périclis de Mello, e ainda conto com a ajuda de alguns amigos.
O mais cansativo foi correr atrás da divulgação e parcerias para que tudo desse certo. E mais uma vez deu, tendo duas edições, uma em setembro e outra em novembro, foi um sucesso. A ideia é fazer com um intervalo de tempo significativo para pensar na temática, nos artistas que vão tocar e toda as logísticas até para o público não achar saturado, já que a cidade tem muitas festas.
“Mudar para Rio das Ostras foi um divisor de águas, pretendo continuar aqui depois de terminar a faculdade afim de consolidar meu trabalho, fazendo algo para além da UFF e sim produzir para cidade.”
EXTRA: MARCO NERD
O artista disse que o marco nerd da sua vida começou quando, aos 4 anos de idade, ganhou o Super Nintendo conquistado com o suor de sua mãe e de seu pai. Então dos 4 aos 13 anos, Marlon se fez presente no mundo do videogame, no qual sua mãe brigava diversas vezes por emprestar suas fitas para os amigos que muita das vezes não cuidavam e voltava arranhada. Seu jogo favorito era Mario vs. Donkey Kong.
Além de brincar na rua de queimado, pique bandeirinha, bola de gude, peão e jogar videogame, seu interesse por RPG também era grande. Quando pequeno mentia pra mãe, que por ser da igreja dizia ser coisa do capeta, ao ir pra casa dos amigos para alimentar suas vontades nos jogos de tabuleiro.
“Estar nesse ambiente me influenciou muito a ler, o primo de um amigo era o mestre nos jogos e a partir daí surgiu o hábito de leitura para se inteirar no mundo dos personagens.”
Hoje, participa de um clube de leitura online em que todo mês escolhem um livro para debater. Ele não é muito de filmes, mas adora uma animação, se interessa mais por séries, por ser mais detalhado, aprofundado e mais longo. Sua série favorita, com certeza é Friends, mas também curte muito Vikings, Sherlock Holmes, Will and Grace, diz que a série da sua vida é This Is Us, e destaca também His Dark Materials, Euphoria e o reality show RuPaul’s Drag Race.
“O universo de herói não me atrai, mas eu cresci vendo os desenhos e filmes de X-Men, adorava Power Rangers. Eu assistia muito anime e meu favorito era Tenchi Muyo!, que passava no programa da Band. Também curtia Os Super Patos, TV Globinho com Múmias Vivas! e Em Busca do Vale Encantado.”
Quem quiser acompanhar sua vida de perto, sigam nas redes sociais: Facebook, Instagram, Twitter e SoundCloud. E pra fechar com chave de ouro, Marlon Pierre fez um set especialmente pra matéria para que vocês conheçam um pouco de seu trabalho. Curtam esse set que tá uma delícia!!