O universo de It nunca foi apenas sobre um palhaço assassino. A mitologia de Stephen King sempre carregou algo mais profundo — uma entidade ancestral que se manifesta naquilo que mais apavora as pessoas. E é justamente isso que It: Bem-vindo a Derry, nova série do universo de A Coisa dirigida novamente por Andy Muschietti, tenta resgatar: a origem do medo. O primeiro episódio já mostra que não quer ser apenas um prelúdio dos filmes, mas uma reinterpretação do mito do bicho-papão — algo que está tanto no DNA da obra original quanto no folclore de qualquer canto do mundo.
Logo de cara, a série acerta em mergulhar no terror mais simbólico, aquele que mistura o sobrenatural com o moral. Derry, a cidade amaldiçoada, é apresentada com uma atmosfera quase mítica, um lugar onde o mal é tão antigo que parece parte da própria terra. A fotografia, de tons saturados e contrastes que lembram Stranger Things, é claramente uma escolha estética de Muschietti, que parece dialogar visualmente com a nostalgia dos anos 80, mas inverte a lógica: se a série da Netflix transforma o medo em aventura, Bem-vindo a Derry transforma a aventura em tragédia. A cinematografia não busca conforto — busca desenterrar o horror por trás da inocência. E aqui está talvez o ponto mais interessante: o Pennywise surge menos como um personagem e mais como uma força primitiva, uma encarnação do próprio mal.
Do ponto de vista técnico, o episódio é impecável. A direção mantém o mesmo senso de escala dos filmes, mas agora com mais liberdade narrativa. Há um cuidado em construir o suspense por meio do som — aquele silêncio úmido e desconfortável antes do susto — e uma decupagem que privilegia o desconforto psicológico em vez do gore gratuito — embora este, aqui, seja ainda mais presente que nos filmes. Ainda assim, a série tem personalidade o bastante para não parecer somente uma derivada. Mesmo que traga a estética que Stranger Things popularizou, é bom lembrar que, cronologicamente, It sempre foi a fonte — e Muschietti sabe disso. Ele devolve à história o peso e o terror existencial que King escreveu nos interlúdios do livro, prometendo explorar as origens do mal de Derry a cada temporada.
Se há algo que fica claro desde o primeiro episódio, é que It: Bem-vindo a Derry nasceu para crescer com o tempo. Ainda assim, o impacto inicial é forte, digno de cinema. É uma pena que a série esteja na HBO e não na Netflix, onde o hype seria instantâneo, mas talvez seja justamente essa lentidão que vai permitir que Derry assombre de forma mais duradoura. Afinal, como os balões vermelhos do Pennywise, o medo pode até demorar para aparecer — mas quando surge, ninguém escapa de olhar para cima.


