A segunda temporada de Pacificador é maior, mais ousada e, inevitavelmente, mais polêmica do que a primeira. Desde o seu lançamento, muita gente vem exaltando o tamanho da produção, enquanto outros reclamam do final — e com certa razão. O encerramento da temporada divide opiniões, especialmente porque há quem acredite que a história poderia ter terminado no penúltimo episódio, com o fechamento emocional do arco dos 11th Street Kids e o destino que eles escolhem seguir. O gancho deixado por James Gunn no último episódio é o tipo de coisa que poderia facilmente ter sido uma cena pós-créditos, e é aí que mora a principal frustração: ele prometeu que o DCU sob sua gerência não cairia na armadilha de amarrar tudo em um multiverso co-dependente como o MCU, mas acabou fazendo exatamente isso. Mesmo assim, é impossível negar que a segunda temporada é boa. Muito boa, aliás. Desde o primeiro episódio, ela já mostra um clima mais intenso, mais maduro e melancólico do que a anterior, mesmo mantendo o humor e a identidade de James Gunn.
A primeira temporada tinha uma pegada mais contida, quase uma continuação direta do O Esquadrão Suicida (2021), repetindo até algumas ideias — um grupo desajustado enfrentando uma ameaça alienígena que o governo precisa encobrir. A diferença agora é que a trama vai além. A série começa com as consequências das ações do Pacificador/Christopher Smith (John Cena), que depois de matar Rick Flag Jr. (Joel Kinnaman) a mando de Amanda Waller (Viola Davis), tenta se redimir e construir uma nova vida. Agora, temos Rick Flag Sr. (Frank Grillo), o pai do herói morto, como Secretário de Defesa e assume o comando da ARGUS com o afastamento da Waller após o exposed realizado na TV por sua filha Lee Adebayo (Danielle Brooks). Incapaz de atacar diretamente o Pacificador, ele passa a monitorá-lo para encontrar um motivo legal para destruí-lo. É uma virada interessante, que coloca o personagem em um papel político, manipulando leis e autoridades para concretizar sua vingança. A investigação leva à descoberta de um portal dimensional escondido pelo Pacificador — uma tecnologia que lembra o buraco interdimensional de Lex Luthor (Nicholas Hoult) em Superman. Isso cria uma ligação direta com o DCU e abre espaço para o tema central da temporada: os espelhos distorcidos entre realidades e ideologias.
Eis então que, como num refúgio, após ter sido rejeitado pela Gangue da Justiça e por sua paixão platônica Emilia Harcout (Jennifer Holland), Christopher descobre uma dimensão alternativa que é o ponto alto da temporada. Um universo quase idêntico ao seu, mas onde tudo é perfeito para ele — seu pai e seu irmão estão vivos até a mulher por quem ele é apaixonado está sendo recíproca. Só que logo percebemos que há algo profundamente errado: nessa realidade, todas as pessoas são brancas. É uma crítica social que James Gunn faz com sutileza e acidez no decorrer da temporada, mostrando uma sociedade aparentemente ordeira, mas construída sobre preconceito e exclusão. É um dos momentos em que a série se aproxima da genialidade que Gunn mostrou em O Esquadrão Suicida e até em Guardiões da Galáxia 3: usar o absurdo e o fantástico para refletir o pior da humanidade. Esse contraste entre as duas terras, e especialmente o paralelo com o ódio crescente aos meta-humanos na Terra-1, cria um diálogo claro com a nossa própria realidade — e é o tipo de comentário político que o diretor sabe fazer muito bem, sem precisar de discurso direto.
Por outro lado, há decisões que incomodam, especialmente com o desenvolvimento de Rick Flag Sr. Ele começa bem, com camadas e motivações compreensíveis, mas sua virada final é abrupta, quase gratuita. Parece o tipo de mudança de comportamento que acontece apenas para servir o roteiro — uma virada à la Daenerys Targaryen no final de Game of Thrones, feita sem o devido desenvolvimento. O ódio repentino dele pelos meta-humanos, por exemplo, não é justificado. É estranho ver esse mesmo personagem ter empatia por super-seres em Creature Commandos e até dialogar diplomaticamente com o Superman, para depois se tornar o vilão intolerante e movido por raiva que vemos aqui. O paralelo com o racismo na Terra-2 (ou Terra-X como está sendo apelida pelos fãs dos quadrinhos) é interessante, mas sua construção é apressada, sendo justificado apenas por um foreshadowing deixado por uma reflexão feita pela Adebayo comparando o mundo racista com o nosso. Ainda assim, a temporada se sustenta porque James Gunn sabe equilibrar emoção e caos — e porque John Cena entrega uma das melhores atuações de sua carreira, especialmente no penúltimo episódio. Se ele não for pelo menos indicado ao Emmy, será uma injustiça.
Tecnicamente, Pacificador está no auge. A fotografia está mais refinada, a trilha sonora é excelente, e a nova abertura — que eu comecei achando fraca — se torna incrível com o tempo, refletindo o tom melancólico e introspectivo dessa nova fase. As participações especiais são divertidas, embora às vezes exageradas. James Gunn continua com seu humor peculiar, mas em certos momentos parece flertar demais com o estilo Taika Waititi — um humor repetitivo que começa a cansar. O problema maior, porém, está no último episódio. O encerramento que parecia perfeito dá uma guinada repentina para justificar um novo arco no DCU, algo que soa mais como imposição de universo compartilhado do que como conclusão orgânica. É um final que causa mais frustração do que curiosidade.
No saldo geral, Pacificador – Segunda Temporada é uma baita produção: corajosa, politicamente afiada, emocionalmente mais densa e visualmente impressionante. Gunn entrega um trabalho sólido, mesmo tropeçando em seus próprios excessos e amarrando demais a série ao futuro do DCU. Talvez o que irrita tanto os fãs não seja o que a temporada faz, mas o que ela promete — e não precisava prometer. Ainda assim, Pacificador continua sendo o projeto mais autoral e humano do novo universo da DC, e enquanto John Cena continuar vestindo o capacete, vale a pena acompanhar até onde essa insanidade pode ir.