Quando Alice in Borderland encerrou sua segunda temporada, parecia realmente que a história tinha encontrado um final redondo. Para muita gente, não havia necessidade de uma continuação. Mas quem conhecia o mangá sabia que a obra tinha desdobramentos: o curto Alice in Borderland Retry, focado no futuro do Arisu, e o spin-off Alice in Border Road, explorando novos personagens em cenários próprios. A terceira temporada da Netflix, portanto, foi recebida com desconfiança. Afinal, até onde valeria a pena expandir um universo que já havia fechado suas principais linhas narrativas? A série responde com uma mistura de material inspirado na obra original e invenções próprias, algumas acertadas, outras nem tanto.
A temporada começa recuperando um jogo presente no mangá que havia sido descartado antes, o das flechas de fogo, usado agora para marcar o retorno da trama com o Coringa. Essa escolha funciona bem, já que o desafio seria incoerente como nível de primeiro jogo lá atrás, mas aqui ganha mais peso. A figura do Coringa, de fato, é central na nova narrativa: um ser enigmático que não é exatamente um deus, mas uma força que ocupa o espaço entre vida e morte, funcionando como vigia da fronteira. O mangá sempre trabalhou melhor quando abraçou o conceito de purgatório e a lógica da vontade de viver, algo muito ligado à cultura japonesa e ao imaginário de Shinigamis. Porém, a terceira temporada arrisca ao tentar dar uma explicação pseudo-científica à Fronteira, numa alusão ao uso de drogas e experiências de quase morte. Essa tentativa de racionalização tira parte do misticismo que tornava a obra intrigante, ainda que ofereça uma nova camada interpretativa, mas causa mais dúvidas do que respostas levando a mais furos de explicações do que soluções para o que já tinha sido resolvido antes.
Do lado pessoal, acompanhamos Arisu e Usagi já casados no mundo real, algo difícil de acreditar sem as memórias do que viveram na Fronteira. O Arisu amadurecido convence mais do que o adolescente inseguro que conhecemos no início, mas a relação com Usagi parece idealizada demais. Ao mesmo tempo, é interessante ver como a trama dá espaço para o luto dela em relação ao pai, reaberto por um médico obcecado pelo Mundo dos Nortos, Ryuji, certamente o personagem mais irritante da temporada – eu já tava quase incentivando um crime de ódio e passando pano para qualquer ato de capacitismo contra esse cara. Esse antagonista humano funciona como ponte entre a ciência e o misticismo, mas suas ações soam repetitivas e até forçadas, estando ali apenas para sabotar o casal principal. Ainda assim, a dinâmica de Arisu tentando salvar sua amada, provando que nunca duvidara de sua fidelidade, mantém a força emocional do casal protagonista – uma ótima adição já que, a essa altura no mangá, Usagi não retorna para os jogos no Outro Mundo.
Tecnicamente, a terceira temporada impressiona em efeitos especiais, principalmente no episódio final, que parece já servir de vitrine para a futura versão ocidental que a Netflix está preparando – que já venho dando minha opinião contrária a esta tendência desde Round 6 em recentes podcasts. Os jogos em si continuam criativos e empolgantes: o das flechas, o dos zumbis, o desafio nas alturas, os trens e o das portas oferecem boas metáforas sobre vida, morte e escolha, além de darem muita vontade de participar também – sério, eu quero muito um card game da Caça aos Zumbis. Mas os personagens novos não têm o mesmo carisma dos anteriores – tirando talvez a Rei que seja a mais interessante, mas só no momento em que ela é apresenta, – a ausência de figuras amadas como Chishiya e Hikari pesa bastante. No fim, o que segura a temporada é mais a expansão da lore e a nostalgia pelo universo do que a força de seus coadjuvantes atuais.
Apesar de mais fraca e carregada de escolhas discutíveis, a terceira temporada de Alice in Borderland não chega a ser um completo desastre. Pelo contrário: ainda entrega bons jogos, efeitos de alto nível e reflexões interessantes sobre sobrevivência e vontade de viver. O problema está na pressa em explicar o inexplicável e na tentativa de ocidentalizar conceitos que fazem sentido dentro da cultura japonesa. Desnecessária? Talvez. Mas ainda assim, irresistível para quem já embarcou nesse universo. E, gostando ou não, a sensação que fica é a mesma das temporadas anteriores: quando começa um jogo, é impossível não querer ver como os personagens sairão deste!