Isaiah Saxon estreia no cinema com A Lenda de Ochi, e é impossível não se deixar cativar por sua proposta artesanal e cheia de encanto nostálgico. A história, que poderia muito bem habitar o catálogo da A24 (e até se apresenta assim, embora distribuída por ela apenas internacionalmente), aposta em um conto clássico de descoberta e amadurecimento, ambientado numa ilha remota do Mar Negro. Saxon mescla folclore e fantasia de forma delicada, construindo um mundo onde a infância e a inocência colidem com os medos herdados dos adultos. Yuri, vivida com intensidade por Helena Zengel, é a jovem protagonista que embarca em uma jornada para devolver um bebê Ochi à sua tribo e, no processo, confrontar as certezas impostas por seu pai, Maxim (Willem Dafoe).
O filme carrega uma atmosfera oitentista que imediatamente remete a E.T., o Extraterrestre, e outros clássicos infantis da época. Essa semelhança, longe de soar como mera cópia, funciona como uma carta de amor a uma era em que a fantasia coexistia com efeitos práticos e paisagens naturais filmadas de verdade. Os Ochi, pequenas criaturas entre o adorável e o estranho, são trazidos à vida por meio de puppets incrivelmente expressivos, que dialogam com a atuação de Zengel de maneira tocante. Quando Yuri e a criatura começam a se comunicar, há um brilho raro de magia genuína, daquelas que poucos filmes contemporâneos ousam buscar.
Ainda assim, Saxon não escapa de algumas fragilidades em sua narrativa. Personagens como Petro (Finn Wolfhard) e a própria Dasha (Emily Watson) parecem subaproveitados, com motivações pouco claras ou mal desenvolvidas. Petro, que deveria ter importância emocional como irmão adotivo de Yuri e possível interesse amoroso, passa boa parte da projeção à margem, e a relação de Dasha com os Ochi, central para a mitologia do filme, carece de explicações mais sólidas. Essa falta de clareza, embora possivelmente intencional para preservar o tom de fábula, compromete parte do envolvimento emocional.
Visualmente, A Lenda de Ochi impressiona pela fotografia de Evan Prosofsky, que transforma o bosque romeno em um espaço ora realista, ora fantasioso, sem recorrer ao excesso de CGI. Há um cuidado evidente na construção desse universo, desde as tonalidades saturadas que beiram o onírico até a forma como o diretor evita o espetáculo digital em favor de um cinema mais tátil. Isso faz com que algumas cenas – principalmente as de Yuri com os Ochi – ganhem força e autenticidade, remetendo a um cinema de aventura infantil menos ruidoso e mais intimista.
No fim, o longa se revela uma experiência encantadora, ainda que desigual. Falta-lhe a potência emocional e narrativa dos clássicos aos quais homenageia, mas sobra personalidade e sensibilidade em sua proposta. A Lenda de Ochi é um desses pequenos filmes que podem passar despercebidos no grande circuito, mas que permanecem com quem se dispõe a embarcar em suas trilhas, onde monstros são menos temíveis do que os medos que herdamos e a coragem de ver o outro com novos olhos pode transformar destinos.