Andor se consolidou como o projeto mais ousado e sofisticado da era Disney+ de Star Wars. Em meio a tropeços recentes da franquia, a série criada por Tony Gilroy não só resgatou o potencial dramático do universo galáctico como também deu nova relevância a Rogue One, filme de 2016 que, embora aclamado, acabou se tornando um anexo discreto no cânone. Ao revisitar os anos finais da vida de Cassian Andor, o seriado transforma um personagem coadjuvante em protagonista de uma das narrativas mais humanas e politicamente incisivas que a saga já apresentou.
A segunda temporada, marcada por um processo de produção conturbado e atrasado pelas greves de Hollywood, mantém a estrutura de arcos narrativos de três episódios, cada um ambientado em anos subsequentes. Essa escolha permite saltos temporais que aprofundam a degradação do Império e a crescente resistência popular.
O grande destaque da temporada é o arco do Massacre de Ghorman, um evento histórico no lore de Star Wars finalmente dramatizado de forma visceral. Gilroy e seus roteiristas transformam esse episódio em um símbolo brutal da opressão imperial e da urgência rebelde. A maneira como a série retrata a ocupação gradual, a manipulação política e a violência contra civis em Ghorman não só ecoa eventos históricos reais como eleva o tom adulto e sombrio da narrativa. Aqui, Andor abandona de vez qualquer vestígio de aventura escapista e mergulha no drama político e social.
Outro aspecto que se sobressai é o cuidado com os detalhes mundanos, que raramente ganham espaço no blockbuster tradicional. De um jantar desconfortável entre personagens imperiais a um casamento tradicional em Chandrila, a série se permite explorar rituais, culinária e dinâmicas familiares em planetas distantes, dando profundidade ao universo fictício e humanizando seus personagens. Essa abordagem reforça a ideia central de Andor: antes de heróis ou vilões, há pessoas comuns vivendo sob as engrenagens de um regime fascista.
A série também se destaca ao dispensar o maniqueísmo típico da franquia. Sem Jedi ou Sabres de Luz para dividir bem e mal, Andor trabalha nuances políticas e morais, com debates internos entre os rebeldes sobre os limites da violência e o preço da liberdade. É um retrato honesto sobre as ambiguidades de qualquer luta contra a opressão — onde decisões difíceis e sacrifícios inevitáveis moldam a trajetória de seus personagens. A própria trajetória de Cassian reflete essa tensão entre destino e escolha, entre sobrevivência pessoal e dever coletivo.
Cassian e Bix Caleen, aliás, oferecem à série seu componente mais humano e emotivo. O romance entre os dois se torna o raro foco de afeto em meio ao caos político. A dor, o trauma e a cumplicidade entre ambos são retratados sem idealização, como fragmentos frágeis de humanidade sob o peso da repressão. A performance de Diego Luna atinge aqui seu auge, consolidando Cassian como um dos personagens mais densos e bem interpretados do universo Star Wars.
Por fim, Andor não se contenta em ser apenas um drama de época espacial. Ao revisitar temas como colonialismo, genocídio, imigração e autoritarismo, a série antecipa discussões políticas contemporâneas, ainda que seus roteiros tenham sido escritos anos atrás. Os paralelos com contextos históricos — da Resistência Francesa à Revolução Francesa — são deliberados e dão à obra uma ressonância que transcende a ficção científica, tornando-a um comentário relevante sobre os mecanismos cíclicos do poder e da resistência.
Ao encerrar sua jornada em duas temporadas, Andor deixa não só uma história impecável, mas também um modelo do que Star Wars poderia ser: uma franquia capaz de dialogar com o presente através de suas alegorias galácticas. Tony Gilroy e sua equipe provaram que, mesmo dentro de um universo estabelecido, ainda há espaço para narrativas maduras, complexas e politicamente engajadas. Andor não é só um triunfo dentro da saga — é, de fato, uma das melhores séries de sua geração.