O cinema brasileiro é um grande produtor de peças artísticas que projetam para o restante do mundo o melhor de nossa cultura, assim como através dela realizar uma crítica contundente socialmente.
Seguindo essa excelente tendência é lançado nos cinemas em 20 de junho o filme O Estranho, dirigido e roteirizado pela dupla Flora Dias e Juruna Mallon e estrelado por Larissa Siqueira (Alê), Antonia Franco (Antonia) e Rômulo Braga (Jorge).
O longa participou de diversos festivais ao redor do mundo, sendo premiado como melhor filme no Festival Queer de Lisboa, Festival Internacional de Direitos Humanos de Nuremberg e melhor som no Festival de Havana. Além dos prêmios, foi exibido no fórum do Festival de Berlim de 2023.
O enredo de O Estranho é sobre a história do Aeroporto Internacional de Guarulhos, construído sobre um antigo território indígena e, entre tantos funcionários que trabalham no local, está Alê cuja história de vida conecta-se com a desta construção e sua história.
Acredito que a produção de O Estranho na totalidade é ótima por trazer uma variedade de reflexões, tornando a experiência cinematográfica algo a ser processado por algum tempo.
A direção utiliza de vários recursos para contar a sua história sendo uma produção muito mais experimental, trazendo para o espectador a perspectiva de alguém que é considerado invisível em locais com essa tamanha movimentação pela função que desempenham.
O elenco entrega o que a direção precisa para que seja uma história focada em pessoas que buscam encarar a sua rotina, nas relações de trabalho e os problemas que ocorrem nesse ambiente.
Este tipo de abordagem é muito interessante por trazer um sentimento de provocação a um espectador por ser muito mais próximo da vivência comum (emprego, relacionamento, origem) e ainda simultaneamente colocar essa figura em um contexto amplo e relacioná-lo com isso.
A utilização de sons e luminosidade natural soam como um abraço a uma simplicidade, porém tornam o filme muito mais orgânico para quem o assiste. Porém, aproveitar de momentos oportunos como o barulho de um avião ao pouso ou a previsão do tempo fazem de O Estranho de fato um estranhamento do ponto de vista cinematográfico e uma visão mais intimista sobre aquele lugar e sua história.
A trama explora de forma ampla as relações de sua figura central para que seja possível entender como sua história faz parte daquele lugar antes mesmo de existir. Isso engloba as relações afetivas de Alê, sua visão a respeito das pessoas que frequentam o seu trabalho, seus colegas além da relação de amor e ódio com o local que já foi seu lar antes de sua família ser retirada.
Nesse ponto é emocionante quando em alguns momentos a vemos recordar como era aquela região antes da chegada do aeroporto, um sentimento que mescla a melancolia da mudança com o saudosismo dos bons momentos.
É interessante como o filme dialoga com o conceito de tempo e estabelece um paralelo em diferentes estágios, como um recorte de um período histórico do lugar e da região com a jornada de uma pessoa, no caso a protagonista, em relação a este momento e como tudo isso se conecta.
Além disso, existe uma crítica social muito direta a respeito das mudanças ocorridas para que surgisse o aeroporto, simbolizada no falso documentário que inclui a participação de Alê muito bem interpretada por Larissa.
Isso também pode nos fazer questionar sobre como individualmente compreendemos as mudanças que ocorrem ao longo de nossa história, se nos afastamos do que compreendemos como nossa essência ou que tudo isso é agregado a nossa jornada.
O Estranho é um filme que irá você sair do cinema com ótimas reflexões a respeito de diversos temas, com uma produção competente que abre o espaço para que a sua interpretação seja livre quanto a uma experiência cinematográfica.