Chegando ao aniversário de 70 anos de criação de um dos mais importantes monstros da cultura pop, Godzilla Minus One entrega críticas sociais, alegorias históricas e trabalha batalhas internas usando o monstro destruidor de cidades como guia e marco. Alguns filmes já nascem cult, e esse é um deles.
Trazido pelo diretor Takashi Yamazaki (The Eternal Zero), este filme, que não tem ligações com o Monsterverse, começa nos últimos dias da segunda guerra mundial, 1945, com o nosso protagonista Kōichi Shikishima (Ryunosuke Kamiki) voltando pra base alegando problemas em seu avião, mas tudo isso era mentira e detalhe: ele era um dos pilotos com função kamikaze, e ele não querer cumprir com seu suposto dever, não querer derramar mais sangue numa guerra que já estava fadada à derrota, faz com que questionamentos importantíssimos surgissem ao seu redor e internamente.
Então vem o primeiro ataque de Godzilla. Shikishima adquire um trauma ainda maior com a primeira aparição do monstro por conta do que o monstro representa: uma força da natureza, imbatível, voraz, qualquer arma seria ineficaz em um primeiro momento e Shikishima se vê impotente mais uma vez.
Entretanto, o filme não fica por aí. Somos mergulhados na narrativa típica japonesa onde não tem pressa em desenvolver os personagens antes da ação, onde os traumas ganham simbologias externas e onde os grandes pontos de virada da trama são os ataques do monstro que não acontecem à toa. A narrativa debate os efeitos imediatos da guerra no Japão, a resiliência de seu povo, a velocidade da iniciativa popular em reerguer os seus lares e como novas famílias surgiram após milhões de famílias terem sido destruídas.
Nesse desenrolar que o filme ganha coração, ganha alma, trazendo essa essência de batalha interna contra os próprios traumas e de como formar novos laços de amizade e companheirismo podem ajudar no processo de cura. Há uma forte carga de crítica social ao demonstrar que as grandes nações não se preocupam com problemas como o Godzilla. Apenas uma iniciativa popular e civil (apesar de termos aqui alguns ex-militares também) organizada pode lidar com problemas imediatos e ajudar na reconstrução de um povo com moral ferida e lidando com o medo e com seus traumas.
O monstro Godzilla sempre foi uma analogia à própria segunda guerra, desde sua concepção. Em alguns momentos simbolizando os próprios efeitos da guerra, em outros momentos simbolizando as bombas nucleares. E aqui, o monstro simboliza isso tudo também, inclusive visualmente. Porém, neste filme ele vem para ser símbolo de algo concreto e ao mesmo tempo abstrato: O pós-trauma.
Quando essa força da natureza pré-histórica aparece, pernas ficam bambas, o medo assume e toma controle das pessoas, mãos são paralisadas e só sobra correr e tentar se salvar. O protagonista demonstra tudo isso nos diversos ataques e conseguimos sentir uma conexão com ele se pararmos para pensar se tudo isso fosse acontecer na vida real. Alguns filmes pecam no surrealismo ao imaginar que alguém teria uma ideia maravilhosa para deter o monstro assim que o visse. Um pouco de lógica, mesmo na fantasia e ficção científica, faz toda a diferença.
Os efeitos visuais e fotografia estão impecáveis, e com um design de produção bem bonito, trazem o ar de filme antigo japonês, até mesmo na estética e nos momentos de pausa narrativa. O elenco de apoio está com uma química apurada e deixam as duas horas de filme passarem despercebidas. Mesmo com toda a tensão e suspense que os eventos trazem.
Godzilla: Minus One é um filme que merece a atenção de grandes prêmios e traz um frescor de um filme bem ajeitado narrativamente para o gênero de suspense e do nicho de filmes de monstro. A ancestralidade trazida pela criadora do monstro aparece no filme com o trato respeitoso a tudo que significa a cultura pop em volta de Godzilla, algo que Hollywood tem muito a aprender ainda.