“Quem será que faz as roupas deles?”, minha amiga pergunta em meu ouvido. Começar dessa forma talvez já forneça o tom necessário para falar sobre a banda Aquino e Orquestra Invisível. Quando sobem ao palco, João Soto, João Vazquez e Leandro Bessa — ou apenas Soto, Vavá e Bessa — fazem o público se agitar imediatamente. Entram como quem já sabe onde tudo está e aquela fosse mais uma noite normal. Mas é provável que, depois desse ano, esse sentimento tenha se consolidado um pouco.
A Aquino, para os íntimos, teve um ano de dar inveja em qualquer banda independente. Tocaram no Circo Voador e no Cine Joia, as duas maiores casas de show do sudeste para bandas alternativas — ou apenas minimamente fora do mainstream. Se no breve período em que lançaram músicas antes da pandemia o trio já era uma aposta da Nova MPB, a parceria entre os próprios membros durante o confinamento e com as demais bandas do selo Rockambole os consolidou como um sucesso. O segredo, eles contaram para a gente, é saber ouvir.
O primeiro álbum “Os Prédios Cinzas e Brancos da Av. Maracanã”, conta com duas das cinco mais escutadas da banda no Spotify, “Pitaya” e “302”, que se assemelham às mais recentes, mas também leva as belas e mais lentas “Pai”, “Ato I: Mar” e “Ato II: Peixe”, e mostra a versatilidade musical do grupo. Em setembro deste ano, colocaram no mundo o EP que carrega o nome da banda literal e metaforicamente. Com uma identidade visual renovada, mas sem perder a essência, é mais pop, mais cotidiano, repleto das coisas do dia a dia que adoramos, mas com um pouco mais de carisma, logo, igualmente divertido — esta autora sempre dá boas risadas com a música “MTV”, quando Vavá canta que, na praia, “logo avistei você tomando um caldo” —, e carregando uma jovialidade que muitos perdemos nos últimos anos.
No palco, não há dúvida: eles têm total controle sobre o show e todos os adoram. Depois de colocar algumas centenas de jovens de, bem, “20 Anos e Meio” para pular, descer para uma rodinhas punk — sim, uma rodinha punk em um show da Nova MPB —, interagir com o público e, em algo que pareceu uma visão do futuro, dominar o Cine Joia, a Aquino conversou com o Terra Nérdica sobre a nova fase e o ano que tiveram.
Descendo as escadas do Cine Joia, pensei em qual deveria ser a idade deles e se são uma das bandas mais jovens a subir naquele palco ou, pelo menos, a se sentir tão confortável nele. Sentamo-nos no sofá e já começamos a conversar. Quem não está usando roupa de uma das namoradas dos integrantes, está vestindo roupas de brechó. Vavá diz que arranjou a roupa no dia anterior, a parte de cima um body ou camisa de tule de manga comprida com estrelas pratas coladas. “Estava muito sóbria”, diz ele, agora estava mais “à moda David Bowie”.
Lembro-os de que foi para o Terra Nérdica a primeira entrevista deles e Vavá ri quando diz que aquela, a segunda, também. Quando pergunto o que mudou desde a última conversa, eles relembram a importância da internet e da proximidade que a pandemia os levou a ter. “A internet acabou fazendo as pessoas entrarem nos discos”, diz Soto, “A gente lançou um single, o segundo, que foi ‘Pitaya’ foi no dia do lockdown. E aí bateu uma depressão, acabou nossa chance”. “Quem ia querer ouvir aquilo?”, questionou Bessa.
A pandemia, no entanto, acabou dando a eles a chance de se aproximarem. “Eles moraram lá em casa por um tempo”, fala Soto. “Muito [tempo]”, acrescenta Vavá, arrancando uma risada de nós. Eles concordam que foi complicado em muitos sentidos. “Intimidade é uma parada complicada”, afirma ele, dizendo que “meio que se casaram”. “A gente não via mais ninguém, eram todos os dias dentro do quarto do João. Dez dias direto”, conta Bessa. Mas, como o resultado mostra e eles afirmam: “Foi uma coisa muito boa, no final das contas. Você passa por aquela fase ‘eu te odeio, você me odeia, mas a gente se ama’”.
Os frutos dessa proximidade são visíveis no palco. A dinâmica de divisão dos vocais, as vezes em que Vavá e Soto vão um até o outro para dividirem o microfone, foram incontáveis — ato que diz muito sobre o respeito que têm um pelo outro. A banda funciona, ironicamente, como uma orquestra sinfônica, em que a música é a maestrina e os integrantes, a banda. Tudo na mais perfeita sintonia.
Sobre as mudanças, Vavá afirma: “Tendo essa proximidade faz com que as nossas músicas agora tenham a identidade de todo mundo”. “É porque acho que é um problema muito de banda mesmo… É muito difícil falar porque a maioria das bandas que estão tendo proximidade são formadas por homens, a gente sabe das questões todas que envolvem isso, e existe muito esse medo de demonstrar afeto. Na pandemia, a gente teve a oportunidade de ficar junto, se conhecer, de [eu] poder conversar com os dois, trocar de ideia… de virar mais do que amigo, por causa do trabalho, que às vezes engole a parte da amizade, mas eu acho que é um cabo de guerra que você tem que tentar administrar. Foi isso que fez a gente mudar o nosso método de produção e fez a gente se integrar muito”, disse Soto.
A unidade dos três ficará mais evidente no próximo trabalho, já em andamento. Diferente do primeiro disco, muitas das composições foram feitas em conjunto. Entre elas “Cobra Coral” e “Camisa do Flamengo”, que os presentes no show do Cine Joia tiveram o privilégio de ouvir com antecedência. Com o turbilhão que veio com o trabalho coletivo, sobra destaque também para as bandas que integram o selo Rockambole. “A gente está aprendendo muito com a galera, chega o Ygor [Aléxis El Hireche], chega a galera d’O Grilo e falam: ‘Olha, acho que vocês podiam mudar isso etc.’”, revela Soto.
Rodeados de bons e experientes conselheiros, eles se mostram abertos às críticas construtivas e em uma busca constante para fornecer o melhor não só nas gravações, mas também para o público no ao vivo. A vulnerabilidade parte de dentro da banda: “No começo, observando mais eles dois [Soto e Vavá] que são os caras que sempre trazem mais as letras, as composições no geral, eu sentia que às vezes um ficava meio frustrado com o outro. […] Hoje já está além disso. ‘Pô, não gostou? Tá, beleza.’ [A gente] Entende que o objetivo final é a parada estar boa e não ‘Ah, pô, fiz com tanto carinho’. Foda-se, sabe?”, diz Bessa. “Não é uma disputa”, completou Soto.
Sobre o próximo álbum, a Aquino diz que quer focar mais no pop, algo que já vinham procurando fazer, mas sem perder o foco nas letras e, especialmente, continuar recebendo as críticas construtivas e melhorando o trabalho que, para uma banda tão jovem, aos olhos do público, já parece impecável.
Quando perguntados sobre a experiência de tocar no Cine Joia, eles reconhecem a importância da casa. “Tame Impala já tocou aqui, Jake Bugg, Five Seconds of Summer… É uma casa que é conhecida no cenário internacional”, disse Soto. Eles entendem que é diferente da experiência no Circo Voador, em que se sentem mais em casa. “A gente até perguntou para um amigo nosso: ‘O que significa tocar no Cine Joia? É tipo tocar no Circo Voador?’, e ele falou ‘É’. A gente ficou ‘Pô…’”, disse Bessa, rindo. “É o maior palco que a gente já tocou na nossa vida”, afirmou Soto. “Tocar aqui foi uma realização. […] Eu sabia do rolê que ia ser, de entregar um show maneiro, entregar uma interação ‘braba’ com a galera. É tipo aqueles ‘checks’ que você faz na cabeça”, completa Bessa.
“Eu achei louco me ver no site do Cine Joia”, disse Soto, rindo. “No nosso primeiro ano de banda real tocar no Cine Joia e no Circo Voador, duas casas pelas quais a gente tem muito carinho…”, completou Vavá. “É nosso último show do ano […] é bom fechar isso dessa forma bonita. Desde o nosso primeiro show do lado da minha casa, na Tijuca, no teatro para cem pessoas, e aqui, é a mesma coisa a gente está fazendo e a gente só quer aprender mais.”, encerrou Soto.
No Cine Joia, a Aquino e Orquestra Invisível mostraram que chegaram na cena para ficar, marcar e para fazer dançar muito todo e qualquer um que se deixe envolver pela graça da jovem banda carioca. As canções são, afinal, um alívio para o gênero, marcado por uma profundidade que submerge e esquece de fazer emergir. Agora, com gratidão os ouvintes podem afirmar que, para isso, têm a Aquino.