Acabou tem pouco tempo o seriado de O Senhor dos Anéis – Os Anéis de Poder – e no final ouvimos a palavra “mago” (wizard em inglês) para traduzir o termo original “istar”. Porém no primeiro episódio foi usado “feiticeiro” (warlock em inglês) para se referir ao Sauron e estamos esperando também o momento em que a Galadriel se tornará uma poderosa feiticeira (sorceress) élfica e veremos o surgimento do Rei-Bruxo (Witch-King). Quatro palavras diferentes para referir-se a diferentes tipos de usuários de magia.
Além disto, este ano também tivemos na Marvel Studios o filme Doutor Estranho no Multiverso da Loucura que nos deu outras traduções para “witch” – usado pare se referir a Wanda, a ” Feiticeira” Escarlate – e “sorcerer” – Doutor Estranho, o “Mago” Supremo. Aqui vemos traduções diferentes para as palavras que vimos no universo da Terra-Média. Também vimos “wizard” ser traduzido como “bruxo” em Harry Potter e “witcher” também como “bruxo” em The Witcher. Afinal, qual está certo?
Primeiro, devo lembrar-lhes que não existe exatamente um consenso. Todas as palavras se referem a usuários de magia, mas cabe ao autor (ou a tradução) decidir de qual maneira usar cada. Por exemplo, no mundo do RPG como de Dungeons & Dragons existe aqui, sim, um consenso de que “bruxo” (warlock) é aquele que usa magia obscura ou faz pacto para tal, “feiticeiro” (sorcerer) é aquele que tem o poder natural (entenda como “natural” tanto de seu âmago como da natureza) e “mago” (wizard) é aquele que estuda para dominar as artes mágicas. Neste caso, as traduções da Marvel foram corretas pondo o Doutor Estranho como um mago, Wanda como uma feiticeira e Agatha Harkness como uma bruxa. Mas estas traduções não conferem com a etimologia de cada palavra.
Wizards – Bruxos ou Magos?
Vamos lá, primeiro falar dos termos em inglês. “Wizard”, usado para referir tanto os magos de O Senhor dos Anéis quanto os bruxos de Harry Potter, significa literalmente “mais sábio” ou “muito sábio”. “Wizard” é um aumentativo de “wise” (sábio) e funciona para ambos os casos, pois os wizards de O Senhor dos Anéis, como Gandalf, são considerados sábios, e até mesmo tem aparência de anciãos para isto, pois foram mandados para Terra a fim de aconselhar na batalha contra o mal. Enquanto isso, os wizards de Harry Potter literalmente estudam magia e quanto mais estudam, mais poderosos ficam. Apesar de em ambos os caso a magia ser natural para eles – os wizards de O Senhor dos Anéis são praticamente semideuses, enquanto os wizards de Harry Potter são uma raça mutante.
Neste caso de mutação a tradução “bruxo” funciona, já que também vemos o termo ser usado para se referir a Sabrina Spellman (witch), Geralt de Rivia (witcher) e o Nino do Castelo Rá-Tim-Bum, mas porque não a Feiticeira Escarlate (Scarlet Witch)? Bom, vamos lembrar então a etimologia de “witch”. A palavra é uma adaptação de “wiccian”, do inglês antigo, que significa “origem obscura”. O termo foi usado para denotar como bruxas todas as que tinham conhecimento avançado durante a Idade Média européia e principalmente no País de Gales, de onde veio o termo. Por anos foi usado e popularizado pelos Irmãos Grimm para referir-se a Bruxa Velha da Floresta, vilã comum de seus contos e que se tornou comum também nos contos de fadas em geral.
Vale lembrar que “witch” é muitas vezes usado como o feminino de “warlock” (do inglês antigo waerloga) que significa “o quebrador de promessas”, “o enganador”, “o traidor”. Ou seja, tanto “witch” (bruxa) como “warlock” (bruxo) tem uma denotação de “inimigo” nos países de maioria cristã, algo que pegou nos contos de fadas. Assim, quando a personagem Scarlet Witch chegou no Brasil, não tiveram coragem de chamá-la de Bruxa Escarlate, pois poderia afastar as crianças. Já o termo bruxa é usado para referir-se a Agatha Harkness que, neste caso, diferentemente da Wanda Maximoff, faz uso de magia obscura – tal como quando a própria Wanda faz uso do Darkhold, tornando-se aí sim uma bruxa.
Mas e quanto a “magos” no português? Bom, “mago” varia da palavra “magus” do latim que se refere a um usuário de “magia”, que é literalmente “mágica” em sua forma latina e deriva da palavra “magush” que significa literalmente “poderoso”, assim derivado de “magh” (poder). Mago também é uma abreviação de “âmago”, ou seja, refere-se a um ser poderoso que tem o poder que vem de dentro do seu âmago, tal como é o caso tanto dos magos de O Senhor dos Anéis quanto dos bruxos de Harry Potter e de todos os que tem poder que vem de dentro.
Então por que “wizard” em Harry Potter foi traduzido como “bruxo” e não “mago” ou “feiticeiro”? Aí já tem mais a ver com a etimologia da palavra em português. O português como língua lusitana importou “bruxa” do celta “bruxtia” que veio do galês “brithron” que significa literalmente “varinha de condão”. Neste caso, os “wizards” de Harry Potter serem os únicos da mídia a usarem varinhas tornam os mais “bruxos” de todos. Ou seja, assim, o português acertou na origem da palavra. Além, é claro, de pôr os bruxos de Harry Potter junto com outros seres mutantes que também chamamos de bruxos como os do Castelo Rá-Tim-Bum e The Witcher.
Bruxos e Bruxas
Já as bruxas de O Mundo Sombrio de Sabrina se diferenciam das feiticeiras de Sabrina: Aprendiz de Feiticeira e a tradução acertou nisso, apesar de ambas serem “witch” no original. Pois em O Mundo Sombrio de Sabrina, apesar de nascerem com poderes, as bruxas precisam fazer um pacto demoníaco aos 16 anos. Enquanto na série clássica, Aprendiz de Feiticeira, Sabrina não precisava de pacto algum para receber seus poderes que vinham naturalmente aos 16 anos. Tal como é natural também no caso de Os Feiticeiros de Waverly Place, apesar de serem “wizards” no original.
E quanto a “witcher”? Bom, essa é fácil, “witcher” é um aumentativo de “witch” tal como “wizard” é um aumentativo de “wise”. A melhor tradução para “witcher” em seu universo (The Witcher) seria “bruxo” mesmo (ou bruxão como eu adoraria que fosse), pois é um ser mutante, e o diferencia dos outros feiticeiros deste universo como é o caso da Yennefer que, apesar de ter poderes graças a seu sangue élfico, fez parte da Academia de Magos para aprimorar seus poderes e com eles servir ao reino. Diferentemente dos bruxos que são caçadores de monstros e foram modificados para tornarem-se inumanos, o que faz com que a maioria dos humanos criem aversão para com estes – tal como faz-se para com as bruxas na cultura popular.
Nota-se que “witch” é normalmente usado como feminino de “wizard” e “warlock” também, com exceção do caso do Witch-King (Rei-Bruxo) de O Senhor dos Anéis, que é o único caso que me lembro em que vemos “witch” ser usado para uma figura masculina. Tolkien, porém, aqui foi preciso, pois ele foi leal a origem da palavra, já que os poderes do Rei-Bruxo vinham de origem obscura enquanto o termo “warlock”, que significa “o enganador”, já estava sendo usado para referir-se ao Sauron. Apesar de ter sido aqui traduzido como “feiticeiro”, provavelmente por que não poderiam botar Sauron como um bruxo abaixo do Rei-Bruxo já que este servia ao próprio.
Assim vemos na mídia pelo menos quatro palavras que costumam ser traduzidas como “bruxo” – wizard (em Harry Potter), witch (em O Senhor dos Anéis), warlock (em Dungeons & Dragons) e witcher (em The Witcher).
Se o Mago faz Magia, Feiticeira faz Feitiço?
E já que falamos dos feiticeiros, falta eles agora. No inglês “sorcerer” vem de “sortiarius” do latim que significa “oracular”, ou seja, alguém com poderes ligados a natureza, tal como denota a classe de RPG e o termo no mundo de Tolkien – como é algumas vezes referido a Galadriel. Já “feiticeiro” acaba sendo uma tradução genérica para qualquer usuário de magia, pois significa literalmente “aquele capaz de realizar feitiços”, mas também tem uma conotação negativa na literatura, normalmente sinônimo de “fingido” ou “falso”. Mas de onde vem isso? Bom, para isso tenho que explicar que “feitiço” se difere da “magia” como viemos falando até agora.
“Feitiço” vem de “feitio” que significa que “aparenta ser uma coisa” e também vem de “feito” (do latim “factum”), ou seja, foi fabricado, não é natural. Sendo assim, “feitiço” significa um tipo de “arte mágica”, que pode vir de um “artefato” como uma droga, um amuleto ou até mesmo um encantamento. Neste caso a tradução ideal para “sorcerer” como o Doutor Estranho seria realmente “feiticeiro”, apesar deste concordar com o sentido de “mago” segundo o consenso de RPG, mas não no sentido radical da palavra.
Porém, é normal nas traduções chamarem de feiticeiros em vez de bruxos ou bruxas, principalmente se tratando de protagonistas de séries infanto-juvenis, simplesmente para evitar aversão do público.
Conclusão
As várias traduções podem mudar o sentido, mas se formos analisar pela etimologia e pelos radicais de cada palavra podemos chegar a conclusões que podem ser divergentes em cada língua, mas que os tradutores fizeram o esforço para adaptar mais sabiamente possível para a nossa cultura. Assim, segue a lista das palavras e seus respectivos significados em cada uma das duas línguas.
(origem dos termos em inglês):
- Wizard (wise + ard) – mais do que um sábio, aquele que estuda por anos para aprimorar seus poderes mágicos.
- Sorcerer (sortirius) – oracular, cujo poder mágico vem da natureza.
- Witch (wiccian) – cujos poderes mágicos tem origem obscura.
- Warlock (waerloga) – invocador de espíritos, enganador.
(origem dos termos em português):
- Mago (magus) – mágico poderoso, cujo o poder vêm do âmago.
- Feiticeiro {feitiço [feito (factum) + iço] + eiro} – que usa de artefatos mágicos.
- Bruxa [bruxtia (brithton)] – que faz magia através de uma varinha de condão.