Novo filme dirigido, roteirizado e produzido, por Jordan Peele (sim, o cara fez tudo) traz uma trama bem estruturada, suspense digno e flutuação entre gêneros.
Sinopse: Os moradores de uma solitária ravina no interior da Califórnia testemunham uma descoberta misteriosa e assustadora.Sendo bem sincero, essa sinopse é perfeita para o filme.
Peele, diretor de “Nós” e “Corra!” – que gosta muito do acento de exclamação, por sinal – acerta mais uma vez (com ressalvas). Com um roteiro bem estruturado, diretor não só trouxe um tom singular, como soube usar muito bem diferentes gêneros na mesma produção. Algo muito similar a Parasita (2019). Os gêneros passam de terror para comédia de forma bem natural, sem ser esquisito ao público. Por vezes você gargalhará e em outras ficará instigado com os nervos à flor da pele.
Outra questão é justamente ao tipo de divulgação do filme. Embora o currículo de Peele tenda mais para o terror, dessa vez, temos uma película muito mais leve, mesmo com tensão em muitos pontos. Temos western, horror cósmico, ficção-científica, drama (e dos bons), comédia, terror, suspense… muitos gêneros distintos, mas harmónicos. Dou parabéns a ele por conseguir ministrar tão bem tantas composições.
A fotografia é bonita, entretanto não cresce aos olhos. Apesar da injusta comparação, Ataque dos Cães (2021) consta com uma fotografia similar, contudo mais exuberante. Isso não é demérito, só temos uma régua muito alta atualmente. Eles conseguiram fazer funcionar, apesar dos inúmeros obstáculos, e a paisagem parece bem crível. Arrisco afirmar ter um trabalhos de efeitos especiais no ambiente para maximizar o resultado obtido, mas sem provas concretas, infelizmente.
Na questão dos atores, todos estão muito bem. Mesmo sabendo do poder de Peele em extrair o melhor deles, tenho total convicção que ele nem deve ter se preocupado nesse sentido. Daniel Kaluuya de Corra! (2017), retorna para mais uma parceria com o diretor, entregando, novamente, um trabalho emotivo e sólido. Temos também, Brandon Perea (The OA, 2016-2019), mostrando ser um bom ator, tanto para comédia quanto drama. Mas a estrelinha brilhante vai para Keke Palmer (As Golpistas, 2019) e sua personagem extremamente cativante e cheia de energia.
Esses três compõem o elenco principal magistralmente. A interação entre eles é tão natural a ponto de lhe fazer pensar em pessoas próximas a ti. O irmão, a pessoa antipática que virou amiga, o sofredor de relacionamentos amorosos, o tímido, a extrovertida além da conta e por aí vai. OJ (Daniel) e Emerald (Keke) formam os irmãos Haywood. OJ é uma pessoa tímida, mas à vontade cercado por seus cavalos em sua fazenda. Emerald é faladeira, cheia de gírias, malandra e sonha com o estrelato. Angel Torres (Brandon) é um simples vendedor de loja, do qual terá sua vida mudada completamente por conta dos irmãos.
A história gira em torno de estranhos acontecimentos notados por OJ em seu terreno. Não me entenda mal, ela é boa, mas tenho péssimas notícias para ti, caro leitor: é vagarosa e tem um ato final ruim. Como dito antes, a construção é belíssima. O filme toma o tempo dele para apresentar personagens, condições e situações relevantes, mas nem sempre isso será bem visto.
O início é incrivelmente arrebatador, chocante. Você se pergunta o motivo daquilo ser mostrado e aonde dará tudo isso. Ele serve para estabelecer linhas narrativas e deixar os mais desatentos cientes de uma construção gradativa para a resolução final. Ela vem bem de mansinho mesmo! Se terminou o filme tentando entender qual é a conexão do início com final, reassista.
O filme é dividido em atos. Bem à la Liga da Justiça de Zack Snyder (2021). Tais atos intensificam cada vez mais a problemática da trama numa constante crescente. Apesar de gradual, não incomoda, mas ela habita uma margem bem próxima do “vamos meu filho, move esse negócio aí”. Não era necessário correr este risco, pois o filme tem 2h10min. Um corte aqui ou ali não faria mal nesse sentido (não, não faço a menor ideia de onde cortar, mas, de fato, daria mais dinamismo).
Agora, se é para construir uma cena de suspense/terror Peele está de parabéns! Amigos, se deliciem com efeitos sonoros agoniantes, cenas de dar frio na espinha e sustos de qualidade. Não essas porcarias pulando na sua cara com o áudio nas alturas para lhe assustar. É coisa de qualidade. No silêncio, no momento mais inesperado, no fundo da tela, de forma sutil, sem preparação… “aaaah, que delícia cara!”. Você VAI GELAR e ponto final.
Infelizmente, a vida não é um morango. O encerramento é desnecessariamente megalomaníaco. Estava tudo indo tão bem Sr. Diretor. Algum engravatado te forçou a mudar aquele final, foi? Apesar de não ser uma viagem total, pelo contexto do filme, ficou ruim do mesmo jeito. Realmente não precisávamos daquilo. Sorry.
Felizmente, isso não estraga o resto da obra. Continua sendo uma ótima experiência. Só não é tão memorável quanto suas obras anteriores. Alguns preferem Corra!, outros preferem Nós, porém dificilmente alguém irá preferir Não! Não Olhe! como melhor obra do autor (até o momento). Reforço o fato desse filme ser um dos melhores em sua proposta. Todavia, não é o esperado de Jordan Peele.
Fico me questionando se o diretor será refém de suas obras e o quanto o peso do público recairá sobre elas, tal qual M. Night Shyamalan – diretor de O Sexto Sentido – eterno escravo de plot twist e julgamentos alheios.
Me diverti bastante com Não! Não Olhe! – apesar do título original, “Nope“, ser muito mais significativo ao filme. É um filme muito bem humorado, com cenas impactantes e bem feitas. Com atuações e direção competente, efeitos sonoros perfeitos, CGI crível (pelo menos no cinema) e uma história bem construída. O final pode arruinar uma obra? Pode, mas não foi o caso (talvez). Veja por si e tire suas conclusões.
Não! Não Olhe! estreia nos cinemas dia 25/08.