Medida Provisória, que teve estreia nos cinemas no mês de abril, foi lançado recentemente na plataforma de streaming Globoplay. O filme de Lázaro Ramos tem gerado algumas discussões e críticas na internet.
Medida Provisória é uma adaptação da peça “Namíbia, não!“, de Aldri Anunciação e direção de Lázaro Ramos, retrata um futuro distópico onde, por meio de um decreto do governo, os cidadãos brasileiros de “melanina acentuada” são obrigados a retornar para o continente africano como medida de reparação histórica após período escravagista, além de retomar as suas origens.
Com um elenco de milhões -como dizem os jovens-, o filme conta com grandes artistas de representatividade negra, como Taís Araújo, Alfred Enoch, Seu Jorge, Emicida, entre outros; arrisco dizer que se a saudosa Ruth de Souza estivesse viva, ajudaria a compor o elenco. Além dessas, as mais temidas voltaram: Adriana Esteves (como Izabel) e Renata Sorrah (como Dona Izildinha), mais uma vez na pele de “vilãs”. A escolha de duas grandes atrizes que marcaram a teledramaturgia brasileira ao interpretarem grandes vilãs, não parece coincidência, pelo contrário, parece um jogo de referência com o público, uma forma de reforçar a vilania correlacionando com Carminha e Nazaré.
O filme tem uma ótima proposta, mas é evidente que carece de investimentos. Com roteiro fraco, o filme subestimou o público com uma sequência de frases prontas e diálogos nada espontâneos. Embora se trate de uma obra de teor político, faltou espontaneidade nas conversas dos personagens, além de aprofundamento em seus discursos. Por se tratar de um texto muito objetivo, ao longo da trama o público é bombardeado por muitas frases de denúncia, mas poucas cenas que os levam à reflexão.
No entanto, por falar em espontaneidade, não posso deixar de pontuar o quanto Seu Jorge roubou a cena e, entre debates e tensões, trouxe alívio cômico para o enredo. Além da entrega de Taís Araújo a sua personagem, a atriz soube transmitir angústia em todas as cenas de tensão. E não preciso nem falar sobre como Adriana Esteves e Renata Sorrah sabem ser odiosas, independente do tipo de vilã que interpretam.
Mesmo com uma boa direção, a obra apresenta alguns furos, sendo a cena de melhor fotografia e clímax, uma das cenas, se não a cena mais problemática e até contraditória do filme. Numa tentativa de expor a violência, duas cenas de morte são retratadas, de um lado de um homem negro e do outro de um homem branco. A morte de André (Seu Jorge) retrata a violência contra o homem negro, uma raiva fomentada há anos pelo racismo. Já a morte de Santiago (Pablo), apenas uma reação num momento de grande tensão. Por que, então, é colocada uma em contraponto a outra? Dois lados da mesma moeda justo num filme que denuncia a desigualdade racial? Complicado!
Após o impacto de Bacurau (filme de Kleber Mendonça e Juliano Dornelles), criou-se uma expectativa de que Medida Provisória fosse igual ou superior, mas não foi suprida. O filme é um bom começo para obras de cunho racial, soube ser didático e soube apontar o racismo presente em nosso cotidiano, seja nos espaços de trabalho e lazer, seja por parte das autoridades governamentais. Entretanto, ainda faltaram discussões com melhores embasamentos que levassem o espectador a uma boa reflexão; além de cenas de maiores tensões; o roteiro transparece uma certa limitação, como se o público só pudesse sentir e/ou entender até determinado ponto.
Com uma boa sinopse, um elenco grandioso e uma temática tão forte, o filme tinha de tudo para gerar repercussões e um impacto muito maior, no entanto, não supriu as expectativas. O assunto racismo não é novidade em nosso país, mas retratá-lo em um longa-metragem ainda tem seus percalços. Embora apresente defeitos, é um começo e Lázaro merece uma parabenização, pois é corajoso produzir e lançar um filme que denuncia o racismo em um país que não se difere em nada da sociedade retratada na obra. O futuro distópico retratado em Medida Provisória, ainda é o nosso presente, e o Brasil segue tomado por Donas Izildinhas e Isabel.