“À medida que a espécie humana se adapta a um ambiente de resíduos sintéticos, o corpo passa por novas transformações e mutações. Acompanhado de sua parceira e cirurgiã Caprice (Léa Seydoux), o artista performático célebre Saul Tenser (Viggo Mortensen) torna a metamorfose de seus órgãos em exposições de arte, atraindo atenção de um grupo misterioso que quer usar sua notoriedade para apresentar ao mundo a próxima fase da evolução humana.”
Crimes do Futuro (2022) é o mais novo do diretor e roteirista David Cronenberg (Cosmópolis) que é bastante associado ao “horror corporal” mas que aqui utiliza esse elemento como um instrumento para se criar arte. Continua sendo algo impactante e bizarro, mas não é de revirar o estômago como a divulgação do filme e a fama do diretor podem fazer parecer. Não é um filme de terror, mas pode te deixar horrorizado em alguns momentos. Está mais para uma ficção científica distópica.
“Complexo” e “intrincado” são palavras que me vêm à cabeça quando tento definir esta obra. Não é um filme que vai te pegar pela mão e explicar tudo naquele exato momento em que te apresenta algo novo, mas recompensa a paciência da audiência no momento certo de explicar aquele elemento que te deixou em dúvida. É bem escrito nesse sentido e trás uma aura de mistério sobre esse mundo sobre o qual não sabemos exatamente o ano, mas pelos cenários e aparelhos utilizados é possível se situar.
A trama em si é bem interessante. E se um dia o organismo humano começar a mudar ao ponto de parar de sentir dor, não ser mais suscetível a infecções e começar a crescer apêndices, novos órgãos, produzir novos hormônios que possibilitem o consumo de materiais sintéticos? Imagine poder comer plástico. Quando surgir uma criança que já possua essas características de forma inata, isso configura uma nova espécie. Um novo ser que não é humano e está mais apto a viver num mundo onde materiais sintéticos se acumulam sem solução. Isso seria permitido pela sociedade? Por governos? Essas são as questões debatidas.
A maneira de debater isso é também interessante, utilizando o mundo da arte para atrair olhares e tornar a remoção desses novos órgãos em um ato de rebeldia contra o que o corpo quer. O que é irônico, já que somos apresentados a diversos aparelhos biomecânicos que foram criados para auxiliar em outros processos biológicos, como sono e digestão. Se a humanidade decide criar algo que a auxilie, isso é bom. Se nossos corpos naturalmente crescem novos órgãos contra nossa vontade, isso é ruim. Parece muito mais uma questão de ego do que de saúde.
A caracterização dos ambientes e vestuário nesse mundo são contraditórios entre si mas fazem total sentido narrativo. Os personagens se vestem bem em ambientes internos e externos que são depredados e sujos. Afinal, para que ser higiênico se você não vai ficar doente? Para que lavar louça? Mas se vamos nos encontrar numa exposição de arte, vamos arrumados. São coisas jamais ditas no filme, mas que se você entende aquele mundo e as pessoas que ali habitam, você chegará nessas conclusões.
Apesar de só ter elogios sobre a construção gradual desse mundo, isso é algo que só dá para ser apreciado quando o filme termina. Impacta o ritmo que em alguns momentos não deixa claro ainda para onde caminha essa história e seus personagens podem se tornar tediosos quando focam tanto em falar sobre arte corporal. Mas esse foi o instrumento escolhido para pintar essa paisagem, então só nos resta acompanhar cada novo elemento em tela até que a imagem final comece a ficar interessante.
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