“Após ter sido raptada por um assassino de crianças e trancada numa cativeiro à prova de som, uma criança de 13 anos começa a receber chamadas num telefone desligado das vítimas anteriores”.
Essa é a mais simples sinopse de O Telefone Preto (The Black Phone), suspense sobrenatural com atmosfera de crime real do diretor Scott Derrickson (A Entidade, Doutor Estranho). O filme foca no dia-a-dia de dois irmãos, Finney (Mason Thames) e Gwen (Madeleine McGraw), cujas vidas são cercadas por violência, seja na escola nas mãos de bullies ou em casa pelas mãos do pai alcoólatra Terrence (Jeremy Davis). Aliás, “violência” é pouco, está mais para a chamada “ultraviolência” como diria o personagem Alex DeLarge (Malcolm McDowell) em Laranja Mecânica. O nível a que chegam as agressões na história é brutal e é bem difícil ser um espectador passivo a tudo sem poder intervir, mas vamos por partes.
O roteiro é uma adaptação de um conto por Joe Hill (NOS4A2, Horns), filho de Stephen King, cuja fama por histórias de terror beira o lendário. Preferi me manter ignorante e não li o conto antes de assistir e nunca li nada de Hill, mas se você já leu qualquer coisa de King é como se estivesse lendo um de seus próprios trabalhos. Não existe pausa na narrativa para desenvolver personagens. Há uma integração do desenvolvimento deles com o terror da história. Afinal, a vida dos protagonistas é praticamente definida pelas dores que permeiam o cotidiano. Se isso faz lembrar das crianças de IT – A Coisa, não é por acaso. Bem como as obras de King são interconectadas, é possível sem dificuldades posicionar esta história no mesmo mundo dos eventos de O Iluminado (The Shinning) e Doutor Sono (Doctor Sleep), ambos obras de King.
A ambientação no final dos anos 70 na maior cidade do Colorado somada à fotografia inspirada por documentários de crimes reais ajuda a trazer uma sensação realista à uma ficção sobrenatural. A direção é uma aula de cinema e faz bom uso da máxima “mostre em vez de dizer”, conceito tantas vezes preguiçosamente ignorado por grandes nomes do cinema. Aqui cada sequência conta uma história, com ângulos que trazem temor do que pode estar esperando atrás de uma porta. Salvo pouquíssimos momentos em que o protagonista no cativeiro pensa em voz alta, não há nada que estrague a experiência. Aliás, assistir no cinema engrandece a imersão, desde ruídos sutis arrepiantes aos sustos de fazer se estremecer na cadeira. Aliás, vamos falar sobre terror.
Muitos filmes dão sustos, mas poucos criam uma conexão entre o público e seus protagonistas. Empatia é a emoção chave para que você observe uma agressão e queira levantar da sua cadeira e ajudar um personagem de uma obra de ficção. Para isso, além de bem escrito o filme necessita de atores competentes que consigam cativar e em poucos minutos criar um vínculo com a audiência. Em O Telefone Preto isso acontece com facilidade graças a um elenco muito competente. Destaco aqui a atriz Madeleine McGraw, intérprete de Gwen, que rouba a cena em diversos momentos e consegue trazer gravidade com a mesma naturalidade que trás leveza à história.
É claro que além de empatia pelos protagonistas, o filme precisa também gerar aversão ao seu antagonista. Ethan Hawke interpreta o sequestrador que aterroriza o trajeto escolar das crianças na região norte de Denver. O jeito que transmite as várias faces do assassino mascarado é muito bem executada, deixando o espectador sempre temendo e questionando qual será seu próximo passo, na pegada “medo do desconhecido”. Trago aqui novamente a máxima “mostre em vez de dizer”. Por suas atitudes e modus operandi é fácil chegar na teoria de que o assassino foi um jovem que sofreu absusos, mas uma conexão inesperada com outro personagem rapidamente nos tira do clichê que vemos repetidas vezes. Não é somente por causa de uma infância abusiva que existem pessoas cruéis. Às vezes, eles só gostam do que são.
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