Uma das séries com a qualidade mais consistentes da Netflix chega ao fim. Após quatro temporadas, Ozark manteve uma história tensa e satisfatória por toda sua trajetória (ou quase isso).
Estreada em 2017, Ozark tinha nada menos que um trailer de filme. Foi uma das primeiras séries atuais a ter a nítida qualidade de cinema. Sem muito alarde, o trailer vinha com ação, desespero e situações inusitadas. Inexplicavelmente sem possuir muita publicidade, Ozark é lançado.
Sinopse: Seu sócio traiu um cliente muito perigoso. Agora, Marty precisa de um plano radical para salvar a sua vida e de sua família.
Com uma filmografia bastante azulada e “sem cor”, o seriado recebe um clima ideal para proposta apresentada. A sensação de beco sem saída, cidade interiorana contornada por um lago e tom mórbido são automaticamente recebidos devido a essa estética. A música é marcante e possui uma elevação significativa em momentos convenientes, controlando muito bem as emoções sentidas pelo telespectador.
Para os mais saudosistas, a série contém muita inspiração de Breaking Bad – muitas mesmo – porém ela consegue traçar seu próprio rumo e ter um foco bem diferente. Aqui o núcleo familiar é o centro das atenções e os arredores são consequência. Interessante mesmo é como essa família irá se salvar apesar de todas as situações adversas.
Inicialmente temos como protagonista, Marty (Jason Bateman), o contador. Um cara pacato e desgostoso com a vida, apesar de bem sucedido. Sua mulher, Wendy (Laura Linney), uma pessoa determinada e “difícil de amar”. Seus dois filhos, Charlotte e Jonah. Charlotte (Sofia Hublitz), a mais velha, uma típica adolescente americana e Jonah (Skylar Gaertner), um garoto introvertido e peculiar. Essa é a família Bryde. Uma família normal com seus altos e baixos, mas sempre juntos.
A vida deles muda radicalmente quando algo inesperado ocorre na vida de Marty. Agora ele deve muito dinheiro para pessoas perigosas. Após bolar um plano maluco, Marty se muda para Ozark, Missouri, no intuito de lavar dinheiro para um dos barões da máfia e quitar essa dívida, mantendo toda sua família à salvo.
Uma das coisas mais fantásticas dessa série é a imprevisibilidade dos acontecimentos. O telespectador sabe que nada dará tão certinho como os personagens pensam, mas será possível adivinhar como esse imprevisto surgirá? As soluções e/ou problemáticas surgem das formas mais mirabolantes possíveis. O difícil pode ser fácil e o fácil pode ser extremamente difícil. Adaptação é a arma mais valiosa nesse mundo.
Nesse sentido, a personagem de Wendy cresce muito! Nem sempre a leoa caça para alimentar seus filhos, às vezes também é por esporte. E aí está o perigo… Wendy defenderá sua família com unhas e dentes, todavia nem sempre a causa será tão nobre assim. Muito bom assistir a evolução dessa personagem, apesar de, com certeza, lhe trazer muitos gatilhos. Sua força é tamanha a ponto dela retirar o protagonismo de Marty e tomar para si ao longo da jornada.
De certa maneira os filhos possuem seus próprios arcos narrativo, mas não tão intensos. Contudo, eles são vitais em todas as temporadas. A fraqueza de Marty e Wendy são seus filhos, e a fraqueza dos filhos é justamente essa entrada forçada ao mundo do crime. Ambos passam por uma evolução significativa de aceitação. E, nesse ponto, espere por muitas surpresas. Seus pais farão de tudo para tê-los à salvos, mas eles realmente precisam de proteção?
A resposta é: sim, precisam. Afinal, são adolescentes. Essa fase de imaturidade, visão micro de um macro, imediatismo, são os motivos das surpresas. Repito, Ozark é imprevisível! Não na resolução, mas na forma como resolve. Esse é um dos pontos mais fascinantes dessa produção.
Personagens super importantes podem simplesmente sumir e um “Zé Ninguém” se revelar um problemão. Todo esse conceito de dever à máfia norteia muito bem a trama. Sempre terá algo maior. Até porque, você faz parte de uma das organizações mais investigadas do mundo, simplesmente sair dela não é uma opção. A lavagem de dinheiro não é o maior problema. Temos polícia, FBI, políticos, gangues, traficantes, imagem pública, religiosos; é muita coisa além da máfia. E todos eles são um problemão.
Apesar de ressaltar a família Bryde, sem dúvidas a melhor personagem de toda essa empreitada é a Ruth Langmore. Interpretada brilhantemente por Julia Garner – detentora do prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante em Série Dramática de 2019 e 2020 por Ozark -, Ruth não só acompanha o melhor arco, como é o mais interessante de assistir por todo sua carga dramática, astúcia e coragem. Sendo muito complexa, ela é extremamente boca suja, afrontosa e problemática, mas ao mesmo tempo é leal, complacente e afetuosa. Julia Garner não conseguiu seus prémios à toa. Ver Ruth enfrentando o perigo com toda aquela bravura e, ao acabar tal situação, notar a personagem claramente abalada por tentar esconder o medo é impressionante.
Por falar em atuação, todos estão bem. Até mesmo personagens secundários são bem atuados. Aliás, Jason Batman também ganhou como Melhor Ator de Série Dramática em 2019 e 2021 por Ozark. Provavelmente Julia e Laura concorrerão ao Grammy de 2023 por seus respectivos papeis. A série é um absurdo nesse sentido. Ninguém está forçado. Por mais estereotipado o personagem seja, não achará atuações medianas aqui.
Entretanto, nem tudo são flores. A criação de Bill Dubuque e Mark Williams, por mais bem feita que seja, possui problemas emergentes do nada e resoluções lógicas ignoradas pelos personagens. Veja bem, você conhece uma pessoa manobrando o dinheiro do cartel. Mexeria com ela? Obviamente não. E isso já eliminaria metade das situações apresentadas pela série. Para sanar tal obviedade a produção dá uma de João sem braço e ignora alguns fatos. Nos importamos? Não, mas seria legal uma maior coesão disso. Até trazem essa realidade na última temporada, mas temos três outras temporadas não quitadas.
Outro ponto negativo foi sua conclusão um tanto insatisfatória. Por ter uma jornada muito detalhada em todas as pendências abertas ao longo dela, pareceu injusto logo o final ser leviano nesse sentido. Seu encerramento tem um misto de: compreendo, mas não fez jus. Não minto, gostaria muito de um episódio especial no futuro, ou quem sabe um filme como El Camino: A Breaking Bad Movie (2019), só para aparar algumas arestas.
Diferente de Breaking Bad, Ozark tem um fim insatisfatório no geral, porque a jornada daquela família não acabou, apesar das resoluções apresentadas. Além disso, como agravante, eles ainda ampliam acontecimentos logo no encerramento da temporada final, tornando toda essa viagem agradável, mas incompleta.
Espere por situações realmente tensas. A calmaria é praticamente inexistente durante a caminhada. Os Brydes passam por poucas e boas, arrastando todo esse caos por onde passam. As consequências podem ser vidas totalmente destruídas. As manobras feitas para ficarem vivos pode custar a vida de outrem. Muitos inocentes acabarão em desgraça pelo simples fato de estarem no caminho, lhe dando aquela sensação mista de torcer para a família com o pesar do custo para tal.
Ozark está disponível na Netflix e até o momento dá-se como concluída, contando com dois vídeos extras de bastidores e depoimentos com os envolvidos na produção. Cogita-se um spin off com foco em Ruth Langmore, mas ainda sem certeza. Afinal, a série vale a pena? Muito!