Após 18 anos de hiato, Matrix retorna para mais uma história, contando com antigos e novos personagens em uma atualização de bom grado, mas talvez piegas aos olhos da maioria.
Vamos muito do início:
A logo da Warner em verde com a música de introdução típica dos filmes anteriores. Os cabelos do corpo vão arrepiando até chegar em seu ápice: os códigos verdes passando pela tela. Pronto. Nem anunciou o título do filme e você já está completamente envolto naquele universo. É bizarro como isso acontece, revelando a força de Matrix até hoje. As pessoas já estavam com um sorriso estampado no rosto imaginando todas as possibilidades inovadores e o longa nem tinha começado.
Sinopse: Regresse a um mundo de duas realidades: uma, a vida quotidiana; a outra, o que fica para trás. Para descobrir se a sua realidade é uma construção, para se conhecer a si próprio, o Sr. Anderson terá que seguir o coelho branco.
Como pode perceber, fizeram o possível para o público ir ao cinema sem ter ideia do plote inicial do filme. Manterei tal perspectiva, pois esse sentimento do desconhecido foi muito bem-vindo. Me atrevo a dizer que isso manteve a atenção do público para tentar descobrir “o que diabos está acontecendo aqui?”.
Explorando os mesmos conceitos, destino e livre arbítrio (escolhas), a franquia sofre um upgrade singelo nesse quesito. Nos deparamos mais uma vez com a questão principal de toda a saga: pílula azul ou vermelha? Essa escolha foi você quem tomou ou fora induzido? Se você soubesse de tudo, tanto sobre o mundo real quanto o virtual, ainda manteria essa escolha?
No novo capítulo da franquia essa pergunta fica um pouco mais fácil de ser respondida, tornando toda aquela fascinante problemática mais fraca. Logo, a filosofia do filme ficando mais fraca, o filme fica mais fraco. Até mesmo nas questionáveis sequências Matrix Reloaded (2003) e Matrix Revolutions (2003) tais questões são em maior grau, apesar dos pesares, lhe dando a ligeira sensação das escolhas terem maior peso.
Por outro lado, temos a adição de novos conceitos como: o que torna alguém o escolhido, o lado das máquinas e o que sobrou após o sacrifício de Neo e Trinity. Falo com muita convicção, a ambientação/atualização dessa parte é extremamente vibrante. Mesmo tendo o conceito filosófico mais brando, Resurrections não é o pior filme da franquia, ficando facilmente entre Reloaded e o próprio primeiro Matrix.
O novo filme é estranhamente diferente dos outros. Não digo isso por questões técnicas de filmagem, falo em elementos de outros gêneros mesmo. Resurrections possui construção de comédia escancarada, com timing cômico típico dos filmes da Marvel. Também sugou referências de filmes de assalto, como Onze Homens e Um Segredo, ao explicar o plano de uma operação.
Confesso não ter sido fã desse tipo de adição, mas entendo o motivo. Matrix precisava ser atualizado, sendo assim, mais comercial. Entretanto, onde houve mudanças para simplificar conceitos, também houve complicação de coisas simples. Toda essa Matrix pós eventos de Revolution é extremamente simples e complicada ao mesmo tempo.
Temos os agentes de sempre, o próprio Neo – uma anomalia dentro do sistema -, as pessoas não despertas, as despertas tentando libertar a mente dos não despertados, programas cientes de sua programação e mesmo assim tudo parece diferente. Novos personagens com premissas boas, mas execuções nem tanto…
Quando vi os atores Neil Patrick Harris (How I Met Your Mother, 2005) e Jonathan Groff (Mindhunter, 2017) pensei ser uma edição de peso à produção. Vendo o filme e observando seus personagens, me indaguei o motivo deles estarem nessa história. Eles são extremamente “qualquer coisa”. Não possuem sequer uma cena legal. Realmente não caiu bem seus personagens.
Yahya Abdul-Mateen II (A Lenda de Candyman, 2021), ator em alta por suas belíssimas performances em obras recentes, ganhou um personagem carnavalesco, com uma pitada de uma pessoa “alegrinha” (“altinha”, com álcool começando fazer efeito, mas não bêbado ainda). Para o personagem em questão essa personalidade não combinou muito bem.
Keanu Reeves, Neo – ou Tomas Anderson, também conhecido como Sr. Anderson -, tem aqui toda sua falta de atuação exposta. É triste ver Keanu reinterpretar Neo. Ele até tenta, mas não consegue. Já Carrie-Anne Moss, Trinity, tirou de letra. Realmente não senti a defasagem de tempo de Carrie-Anne para interpretar Trinity. Fiquei impressionado com a atriz. Por falar neles, o filme traz momentos especiais dos dois. Eles funcionam como casal? Para responder essa pergunta vamos voltar ao “simples, porém complicado”. Hora é legal, hora é difícil de assistir (mas muito difícil mesmo).
Todos esses problemas relatados não vejo como demérito dos atores (tirando o Keanu, porque meu Deus…), e sim do roteiro. Dirigido por Lana Wachowski (Matrix, 1999), roteirizado pela mesma em conjunto com David Mitchell (A Viagem, 2012) e Aleksandar Hemon (Love Island, 2014), Matrix Resurections sofre, notoriamente, da falta de Lilly Wachowski. Lilly acreditava ter concluído a saga e por isso não retorna para esta sequência, já Lana ainda continha ideias para explorar tal universo.
Sem sombra de dúvidas uma irmã completa a outra. Em Resurrections presenciamos as piores cenas de ação da saga. Não somente as cenas de ação foram prejudicas como também filmagens bobas de diálogos. Revelações sem graça, momentos extremamente bregas, são uns dos poucos exemplos da falta de Lilly na produção. Por outro lado, imaginando esse filme com Lilly, a quantidade de CGI iria aumentar significativamente e, provavelmente, certas barrigas seriam adicionadas em troca de melhor ação e enquadramento.
Uma adição muito legal foi a personagem Bugs, interpretada por Jessica Henwick (Punho de Ferro, 2017). Bugs é incrivelmente carismática à moda antiga da franquia. Fala o necessário, luta muito, atira para todo lado, estilosa e mesmo assim é humana ao ponto de se sacrificar pelo que acredita, à la Morpheus. De todos os personagens novos, sem dúvidas Bugs é um acerto imenso desta sequência.
Outro grande acerto foi a constante autocrítica. E por que não crítica ao próprio público? Dentro do filme terá piadas com o fato de estarmos sempre reclamando de algo que já foi. Os filmes já foram feitos e saíram exatamente como as irmãs queriam. Aceitem! Assim como o filme se zoa das próprias problemáticas causadas por eles mesmos. Confuso? Relaxa, quando assistir irá entender. Ou não.
Ver o cotidiano do Sr. Anderson, é muito viciante. As referências visuais e sonoras dos filmes passados ecoando no presente, formando um constante universo cíclico (olha aí o conceito da trilogia inicial ressoando) deixando as pessoas cada vez mais pensativas a respeito da Matrix. Como dito antes, o papo filosófico foi enfraquecido, mas o conceito de “eu, indivíduo” foi expandido.
A forma como a tecnologia foi aprimorada para os dias atuais – afinal, passaram-se 18 anos de evolução tecnológica no mundo real. Não dá mais para ficar só naquela história de bateria e pendrive -, é um deleite de se ver. A conclusão disso foi boa? Não, mas é legal ver a evolução das coisas. O conceito de nuvem, redes sociais e conexão mobile agora fazem parte da nossa vida. Era impossível não atualizarem isso em um filme que trata justamente de consciência coletiva em um mundo virtual.
É difícil falar desse filme sem detalhar as coisas, pois mesmo sendo um filme “ok” ele é bastante rico nos assuntos, assim como seus antecessores, você querendo ou não. Matrix Ressurections não é ruim. Quem diz isso não experienciou um filme ruim de verdade. Vá assistir Mortal Kombat, Espiral: O Legado de Jogos Mortais, Velozes e Furiosos 9, tudo de 2021, e depois a gente conversa.
A conclusão disso tudo é bem simples: provavelmente esse filme não será o que você esperava, mas, na verdade, nem você sabia o que esperar de Matrix. Talvez você quisesse aquele mesmo sentimento do primeiro filme. Não terá. Ele é um mix do segundo com o primeiro, tendendo para somente lembranças deles em prol de algo novo. Se isso lhe bastará ou não, cabe somente a ti.
Fecho esse filme com o sentimento de ter assistido um bom filme na Sessão da Tarde. Quanto mais penso nele, mais vou retornando àquele mundo de questionamentos filosóficos bem brandamente. Em breve terei esquecido os pormenores e direi “já vi sim, mas não lembro bem… é um filme simpático”.
~ Ah, e as músicas também não são marcantes. My bad ¯\_(ツ)_/¯ ~
Matrix Ressuraction encontra-se em cartaz nos cinemas e a partir do dia 26 de janeiro estará disponível na HBO Max, a princípio.