Com previsão de estreia para o dia 03 de Dezembro nos cinemas, o longa premiado pelo Festival do Rio, M8 – Quando A Morte Socorre A Vida foi produzido pela Migdal Filmes em pareceria com Buda Filmes e distribuído pela Paris Filmes e Downtown Filmes. O filme conta com a direção de Jeferson De, conhecido também pelo premiado Bróder (2010) e Correndo Atrás (2018), Jeferson assina o roteiro do longa ao lado de Felipe Sholl. Seu elenco principal é composto por Juan Paiva (Maurício), Mariana Nunes (Cida), Raphael Logam (Cadáver M8). Você pode conferir maiores informações técnicas sobre o filme no texto feito pela Anna Beatriz, aqui do TN, clicando neste link.
“M8” é baseado no livro homônimo de Salomão Polakiewicz e conta a história de Maurício, um calouro da prestigiada Universidade Federal de Medicina, filho de Cida, uma auxiliar de enfermagem, que dá duro para ver seu filho entrar pra faculdade. Em sua primeira aula de anatomia, Maurício é apresentado a M8, cadáver que servirá para estudo dele e dos amigos. Em uma jornada permeada de dúvidas, Mauricio enfrenta suas próprias angústias para desvendar a identidade desse rosto desconhecido.
Mesmo achando que em alguns momentos eu tenha sentido o Juan Paiva contido em sua atuação, ele consegue levar a trama com leveza e simplicidade. Seu personagem Maurício é um jovem inteligente, gentil e dedicado nos estudos. Única coisa que tira seu sono, é o seu “dom médium” que se manifesta algumas vezes pelo seu sonho. A trilha sonora funciona e parece acompanhar o dia a dia de Maurício, que inclusive, sempre que está perambulando pela Cidade Maravilhosa não desgruda de seus fones de ouvido.
Jeferson e Felipe, executam um ótimo trabalho e ambos propõe evidenciar diversos casos de racismos comuns no cotidiano brasileiro, se manifestando em diversas formas, sendo por diálogos simples, que passam quase por despercebido, como em uma das falas iniciais do professor de anatomia de Maurício, onde usa de um discurso eurocêntrico para inferiorizar antepassados indígenas, perante europeus do século XVI. Provocações nas falas de Gustavo, colega de classe de Maurício, que sempre faz comentários preconceituosos tentando mostrar que a faculdade, não é pra ele. Em outras situações, Jeferson também utiliza-se do racismo replicado, onde pessoas negras replicam o preconceito que elas mesmo sofrem em outros negros. Em uma das cenas durante uma abordagem policial violenta que Mauricio sofre, um dos policiais interpretados por Rocco Pitanga, ainda insinua que ele não deveria estar andando em “bairro de playboy” naquele horário, fazendo sinal pra indicar a cor de sua pele.
Outro ponto forte é a religiosidade ligada a trama, em “M8” vemos um trabalho realizado com bastante cuidado e respeito. A mãe de Mauricio, Cida costuma frequentar um terreiro do seu bairro, e por lá temos cenas lindas e bem construídas, mostrando uma gira em andamento, além dos símbolos religiosos mostrados, contendo todo o sincretismo presente entre religiões de matriz africana e o catolicismo. É através da matriarca do ilê, interpretada por Dhu Moraes, que temos a confirmação do “dom” de Maurício de se conectar com os mortos, que sempre o leva de encontro com o cadáver M8.
“Cala sua boca, que eu sou sua mãe! Cala sua boca, que eu sou uma mulher preta falando! Não me interrompa!”
Falando em matriarca, quando Mariana Nunes entram em cena com a Cida é sempre um ponto alto. A “Dona Cida” é o exemplo da mulher preta guerreira, mãe solteira que move o mundo pra conseguir o que almeja, sempre de cabeça erguida e lutando até o fim. São graças a suas palavras e de sua experiência é que ela consegue trazer Maurício de volta ao seu eixo, após se sentir perdido com tamanho preconceito e exclusão que presenciou. Toda essa cena da Cida e de Maurício, me remete aos ensinamentos ancestrais africanos que são passados através da oralidade, quando o mais velho passa o seu aprendizado aos mais novos.
Um dos pontos que pode gerar certa polêmica, é o relacionamento repentino entre Maurício e Suzana, personagem de Giulia Gayoso. Suzana é uma jovem branca, típica da zona sul carioca, com vivências totalmente diferentes das de Maurício. E é nesse ponto que Jeferson De busca tocar, mesmo que uma pessoa preta encontre o afeto em alguma pessoa branca, dificilmente o último conseguirá entender todas as angústias e anseios que só uma pessoa preta tem vivência.
Certa vez, eu escutei do soteropolitano multitalentoso Raimundo Santa Rosa: “Eu estou aqui para incomodar!”. E é exatamente o que “M8” busca, mesmo que suas propostas levantadas durante o longa não sejam aprofundadas, elas estão ali para te provocar. Principalmente você, branco que se diz antirracista, mas continua a compactuar com sua branquitude e não abre mão dos teus privilégios fazendo que o racismo continue a se perpetuar. “M8” é pra provocar você também preto, pra continuar fomentando discussões e nas investidas contra o racismo. Sabemos que o caminho é longo, mas não queremos amanhã novas brutalidades como as de George Floyd, Breonna Taylor e João Alberto Silveira Freiras.