Ao longo de toda a sua cinegrafia, os irmãos Safdie sempre se interessaram em retratar grupos marginais de uma sociedade em crise. Logo em seu primeiro filme, Daddy Longlegs, acompanhamos uma família de classe média baixa passando por dificuldades em Nova Iorque. No filme seguinte, Só Deus Sabe, a dupla atinge seu ápice nesse retrato, ao evidenciar um grupo de viciados em heroína às margens da sociedade, vivendo uma rotina praticamente nômade, devido as constantes expulsões dos espaços. Já no filme anterior a Joias Brutas, Bom Comportamento, o personagem de Robert Pattinson tenta impedir que o irmão vá preso devido ao assalto que eles cometeram para tentar subir na vida de maneira ilícita. Agora, neste mais novo filme, voltamos para este lugar comum, mas em uma escala muito maior. Isso acontece, porque Howard (Adam Sandler), o protagonista de Joias Brutas, é um joalheiro e apostador compulsivo, que acaba envolvendo diversas pessoas nos seus esquemas, ao ponto de colocar um astro da NBA (Kevin Garnett) no meio dos seus rolos.
Em um primeiro momento, Howard pode não parecer uma destas figuras marginais, devido ao seu visual ostensivo, porém, ao longo do filme, descobrimos que o personagem vive apenas de aparências e acumula dívidas imensas. Esse tipo de postura por si só já é um reflexo tremendo da crítica à sociedade capitalista que Benny e Josh Safdie querem tecer em seu filme, a película aborda constantemente a questão do materialismo e esse modo de vida de aparências que somos coagidos a ter dentro de uma sociedade regida pelo capital. Além disso, tudo em Howie é falso, ele frequenta shows em boates caras sem nem conhecer o The Weeknd, ostenta Julia (Julia Fox) como uma espécia de “namorada-troféu” e presenteia os outros com Rolex falsificados. A crítica também ultrapassa esse caráter mais frontal e busca estabelecer comentários mais abstratos sobre a sociedade capitalista dentro da figura do objeto principal da trama, o opala preto. Esta pedra preciosa obtida por Howard não possui um valor fixo estipulado e precisa ser leiloada, portanto, esta falta de valoração do produto serve como um paralelo interessante para a especulação financeira e, além disso, também serve para mostrar a postura gananciosa de Howard, que sempre tenta superestimar o preço de sua pedra. Ainda sobre a gema, pela primeira vez na cinegrafia do Safdie vemos os diretores saírem do núcleo urbano de Nova Iorque, indo para os confins da África para mostrar a exploração nociva do Capital.
Em uma das entrevistas para promover o filme, os diretores comentaram a respeito da trama girar em torno de uma joia. Para eles (e pra mim também), Howard é uma joia bruta, visto que estas joias antes de serem cortadas não possuem um valor concreto, assim como o protagonista também não parece o possuir. É justamente essa ambiguidade que é tão comovente em Howie. Vemos o protagonista se envolver em diversas enrascadas, se enrolar cada vez mais com agiotas, mas torcemos por ele, pois observamos também que ele busca essa hiper valorização de seus bens para obter um ganho e ajudar sua namorada, sua ex-esposa e seus filhos. No entanto, sua ansiedade, compulsividade e vício em apostas não conseguem fazer com que ele se assente com uma quantia suficiente e sempre olhe para o futuro incerto onde ele pode obter mais. De certo modo isso também se insere na lógica capitalista de termos que buscar acumular riquezas e correr atrás de um futuro incerto e distante do presente.
Com uma decupagem montada de maneira ágil e recheada de cortes, Joias Brutas nos coloca nesse cenário ansioso e aflitivo. A narrativa não possui o menor respiro, é um ritmo frenético e alucinante, pontuado muito bem pela trilha sonora mais uma vez carregada de sintetizadores dos Safdie. Por sinal, o trabalho de som deste filme é impecável, seja na hora de imprimir momentos mais oníricos, ou em pequenos detalhes como a pausa dramática antes da quebra de uma bancada. Portanto, o filme é encenado de maneira a causar aflição no espectador e essa sensação é transmitida de maneira perfeita. A direção dos Safdie também é impecável, abusando de planos fechados nos rostos de seus personagens, tornando os espaços reduzidos e opressivos.
Adam Sandler está ligado no 220 e consegue entregar com maestria o que é demandado de seu personagem. Cada modulação de voz, a entrega física, os olhares são capazes de passar a segurança do personagem dele, que parece estar sempre com a situação sob controle, por mais absurda que ela pareça ser. Vale notar os diálogos em que os agiotas vêm cobra-lo e ele sempre tenta manter a calma com uma voz serena, em contraposição ao comportamento explosivo e impulsivo dele em outras horas. Julia Fox é uma grata adição ao filme, ela esbanja sua sensualidade como essa “peça” de Howie, mas também mostra a doçura de uma figura materna para seu namorado em momentos mais exigentes dramaticamente.
Joias Brutas é um filme caótico. Sua história é desnorteante e sempre descobre meios de dar rasteiras no espectador sem precisar recorrer a artifícios baratos. Essa atmosfera inquietante consegue transmitir perfeitamente o período de grande ansiedade que vivemos, ouso dizer que nunca um filme representou tão bem um capitalismo em crise como esse. O dinheiro, quando mostrado, sempre está saindo das mãos de Howard, denotando uma relação quase que pueril deste bem material com o protagonista. É um filme pessimista a beça e termina com uma nota extremamente densa e, até mesmo, pesada, com um propósito de eliminar qualquer esperança que possamos ter neste sistema que já faliu, mas insiste em perdurar.