A pior coisa para um artista é cair na zona de conforto. Um artista tem que se reinventar, buscar maneiras novas de expor sua visão de mundo e nunca estar satisfeito com o que produz, isso faz parte da essência de ser um artista. Makoto Shinkai possui grandes méritos e é um excelente criador, mas parece que caiu nesta tal zona de conforto. Após o sucesso mundial de Your Name (2016), as expectativas para o seu filme seguinte estavam altíssimas e, para tentar corresponder essas expectativas, o diretor resolveu jogar seguro até demais.
Em O Tempo Com Você, Shinkai parece acomodado em repetir todas as temáticas de seu longa passado para agradar o público que conseguiu cativar. Temos um romance adolescente que ultrapassa barreiras, o paralelismo entre metrópole e campo e a dicotomia entre tradicionalismo japonês versus a modernização ocidentalizada da grande Tóquio, tudo feito com a sua animação característica em altíssima definição. Shinkai parece tão debruçado em sua obra anterior, que até insere easter eggs referentes a ela neste novo longa. Apesar de tudo parecer o mesmo com a roupagem diferente, o melodrama de Shinkai ainda funciona e consegue render bons momentos emocionais e reflexivos. Pois bem, vamos a crítica.
Ambientado na grande Tóquio, o filme narra a história de Hodaka Morishima (Kotaro Daigo), um rapaz de 16 anos que largou a família campestre para tentar sobreviver na metrópole. Com dificuldades financeiras e quase em situação de rua, Keisuke Suga (Shun Oguri) concede um trabalho de assistente de redação em uma revista esotérica e abriga o jovem rapaz em sua casa. Durante uma reportagem sobre as chuvas de verão atípicas em Tóquio, Hodaka descobre sobre o mito das “Garotas do Sol”, divindades capazes de cessar temporais e trazer de volta o Sol. Graças a uma coincidência, após um ato heróico, o rapaz passa a se envolver com uma dessas garotas, Hina Amano (Nana Mori). No entanto, a lenda é fadada à tragédia (que eu não vou contar mais para não entrar no território dos spoilers) e o casal precisa lidar com um dilema para salvar Tóquio do dilúvio.
Como dito no segundo parágrafo, Shinkai possui uma intenção clara de estabelecer uma dicotomia entre tradicionalismo e modernização. Para o diretor, a salvação de Tóquio só ocorrerá através do resgate das tradições, de uma lenda antiga passada através de gerações, ou seja, pelos mitos fundadores do Japão. O retrato contemporâneo da metrópole é desolador, Tóquio é pintada com cores dessaturadas, um nublado constante, suja pelas chuvas e dominada por símbolos ocidentais. O primeiro encontro entre os protagonistas, por exemplo, ocorre dentro de um Mcdonald’s e ambos estão sem perspectivas de vida. Portanto, Shinkai acena para a presença ocidental como algo que está matando gradativamente a cidade e, por consequência, o Japão.
Além de depositar sua confiança no resgate às tradições japonesas, há um porque muito claro em colocar o protagonismo de O Tempo Com Você centrado em dois adolescentes. Para Shinkai, a esperança está na juventude, nesse amor inocente e nessa fase de aprendizado da vida. A moral do filme passa pela crença de que cabe aos jovens resgatarem esse tradicionalismo passado pelas gerações mais antigas. Para isso, há uma cena pontual, onde Hina e Hodaka conversam com uma anciã, que narra sobre outras lendas antigas. Templos budistas, portais xintoístas, lendas ancestrais, são elementos constantes do filme e normalmente são os elementos que se encarregam de trazer a luz para a Tóquio acinzentada.
Apesar de toda essa atmosfera esperançosa, Shinkai sente a necessidade de estabelecer um antagonismo às suas personagens e é justamente neste antagonismo que seu filme se perde. Por mais que o roteiro justifique a sua presença, durante a metade final do filme é inserida uma trama de perseguição polícial à Hodaka que soa completamente como um filler. É uma presença que tenta exprimir a dureza do mundo urbano na forma do principal instrumento da força estatal, mas destoa completamente da narrativa e não acrescenta em nada a história, pois a trama começa e termina de maneira abrupta. É engraçado notar, que esta parte mais fraca do filme é justamente a coisa que diferencia O Tempo Com Você de Your Name.
Por fim, vale ressaltar mais uma vez que O Tempo Com Você está longe de ser um filme ruim. A animação de Shinkai continua extremamente eficiente e entrega quadros estonteantes dignos de enfeitar capas de redes sociais. No entanto, somente a beleza pela beleza não é suficiente para segurar o filme. Então, a sorte do diretor reside em suas piscadas para o sua obra de maior sucesso, que conseguem sustentar um público que espera mais do mesmo. Fora isso, o novo filme de Makoto Shinkai é apenas um romance adolescente bonitinho devido a sua inocência e mensagem otimista.
O Tempo Com Você faz parte da programação do Festival do Rio e ainda não tem previsão de estreia no circuito nacional.