Você muito provavelmente já ouvir falar sobre o filme Rubber, o Pneu Assassino. Esse clássico do cinema trash é relembrado por muitos devido as suas inúmeras passagens pela grade do SBT, seja por motivo de piada, graças a sua premissa absurda, ou para cultuarem este longa-metragem que ficou no imaginário popular como uma grande pérola. Quentin Dupieux é o autor desta obra questionável, mas indubitavelmente despretensiosa, que é relembrada por muitos. O diretor francês parece ter um apreço por absurdos e seu novo trabalho, Deerskin: A Jaqueta de Couro de Cervo, é mais um filme que brinca com uma premissa que soa banal a primeira vista, mas que esconde uma sátira inusitada ao longo de sua exibição.
Após um divórcio pouco amistoso, Georges (Jean Dujardin), compra uma jaqueta de couro de cervo e, mesmerizado por seu “estilo matador”, decide tomar um novo rumo em sua vida, se isolando em um hotel no interior da França. Fascinado por sua jaqueta genuinamente feita de pele de cervo (mesmo que fora de moda), o homem começa a delirar conversas com a peça de roupa e, juntos, eles planejam eliminar todas as demais jaquetas do mundo. Em um dado momento, Georges é questionado a respeito do que faz de sua vida e ele diz ser um cineasta, mesmo sem ter o menor conhecimento da profissão. Interessada no trabalho dele, Denise (Adèle Haenel), uma garçonete local conta que é uma montadora amadora – cujo trabalho se resume a ordenar cronologicamente Pulp Fiction – se oferece para trabalhar na edição da produção. Com isso, Georges une o suposto trabalho e seu objetivo maligno, começando a filmar sua saga pelo fim das jaquetas.
Por mais sem sentido que essa história soe em sua superfície, o filme esconde camadas bem interessantes ao longo de sua metragem. Nos tempos atuais, há um grande debate com relação a exploração de animais e, a cada dia que passa, utilizar produtos derivados de peles de bichos vem se tornando mais e mais condenável e, consequentemente, démodé. Portanto, a jaqueta-título do filme é uma representação de tempos passados, referenciada pela abordagem do filme. Para atingir o seu objetivo, Georges parte em uma cruzada para eliminar todas as jaquetas do mundo e, consequentemente, acaba se livrando dos donos delas ao longo do caminho, o que torna o pseudo-cineasta um serial killer digno de um slasher, subgênero do terror que teve auge nos anos 80 consagrando vilões como Freddy, Jason e Michael Myers, mas que acabou se saturando rapidamente e saindo de moda. O filme faz tanta questão de reverenciar esse subgênero, que até sua trilha sonora toca acordes dissonantes para criar tensão em momentos corriqueiros, apenas para inserir uma atmosfera mais opressiva. Também nessa tentativa de emular o slasher, sua fotografia conta com um ar mais sujo e forte presença do vermelho em determinadas cenas.
Além disso, ao mostrar total consciência do quão absurda é sua história, Dupieux abusa de sátiras ao meio cinematográfico e a um certo pedantismo de alguns críticos e diretores. Isso se faz presente, principalmente, nas cenas com a presença de Denise. Deslumbrada, a jovem procura grandes significados nas filmagens feitas por Georges, tentando buscar uma interpretação que não há. Pra piorar, a garota começa a financiar às filmagens do serial killer, alimentada pelo sonho de ver uma produção montada por ela rodar o mundo. Enquanto isso, Georges é uma crítica direta aos diretores, seu personagem hiper simplifica o processo de criação de um filme e, ao mostrar desentendimento completo do que está fazendo, dá razão as interpretações mais diversas feitas pela garçonete.
Portanto, Deerskin: A Jaqueta de Couro de Cervo, acaba se tornando um filme autoconsciente extremamente interessante de se assistir. Seus 77 minutos de duração passam voando e rendem boas gargalhadas com os grandes absurdos que ocorrem ao longo da projeção. A mistura entre sátira e slasher casa perfeitamente bem e seus comentários são os mais ácidos possíveis. É um filme que parece bobo, mas que entrega uma experiência inusitadamente interessante.
Deerskin: A Jaqueta de Couro de Cervo está em cartaz pelo Festival do Rio e está prevista para estrear dia 23 de Janeiro de 2020 no circuito nacional de cinemas.