“Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. No mundo atual e globalizado, com uma quantidade massiva de fake news sendo produzidas diariamente essa máxima proferida pelo propagandista nazista Joseph Goebbels nunca pareceu tão verdadeira. Ciente do problema contemporâneo da pós-verdade, o filme A Grande Mentira se debruça nesta questão para desenvolver sua história.
Estrelado pelos excelentes Ian Mckellen e Helen Mirren, o longa-metragem se passa em 2009 e narra a história de Roy Cortney e Betty Mcleish, um casal de septuagenários que se conheceu através de um site de relacionamentos online. Logo no primeiro encontro da dupla, revela-se que ambos mentiram sobre suas identidades, chegando inclusive a mudar os próprios nomes. Com um diálogo instigante e bem-humorado, a sequência inicial cumpre o papel de estimular o espectador a descobrir até que ponto ambos os personagens conseguem sustentar suas farsas sem que o outro descubra. O roteiro escrito por Jeffrey Hatcher escolhe Roy como fio condutor da narrativa e logo explicita que o personagem de Mckellen é um golpista de carreira que pretende enganar Betty, surrupiando para si toda a fortuna da viúva. Norteado por este objetivo, o protagonista elabora uma estratégia teoricamente infalível alcançar esta meta.
Apesar da sinopse acima parecer um filme de assalto despretensioso, o longa do diretor Bill Condon jamais abraça esta leveza. Muito pelo contrário, graças a sua trilha sonora bem pontuada, com acordes graves e inquietantes, a película faz questão de se mostrar como um filme de mistério/suspense denso. Além disso, as escolhas estéticas do diretor por filmar as poucas cenas de ação de modo visceral e realista, também contribuem para causar o sentimento de estranheza. Com isso, sempre usando deste desconforto, o diretor tenta pregar peças em quem assiste ao longo de toda a metragem, dando dicas aqui e ali de que final o filme terá (vale falar de um foreshadow perspicaz em um encontro que o casal assiste a Bastardos Inglórios de Quentin Tarantino).
No entanto, ao se levar a sério demais, o filme acaba se perdendo, pois, ao enunciar uma trama baseada no falso, o roteiro se apoia em reviravoltas mirabolantes, conspirações extremamente elaboradas e flashbacks expositivos em momentos convenientes para desenvolver sua narrativa, que acabam se distanciando deste realismo e enfraquecendo a verossimilhança proposta por Bill Condon. Além do mais, a montagem recheada de planos longos e estáticos, provavelmente buscando emular a densidade proposta pelo diretor, acaba comprometendo a fluidez da narrativa, deixando a sensação de que o longa-metragem possui uma duração maior do que suas duas horas. No fim das contas, a película acaba atirando para todos os lados, faltando um tom capaz dar unidade a história, pois, enquanto o texto é inverossímil, as imagens tentam impor um realismo exacerbado.
A maior virtude deste filme reside na atuação e na química dos dois protagonistas. Os dois atores veteranos são um show à parte e parecem estar extremamente à vontade em seus papeis. A postura faceira e malandra de Ian Mckellen dá a sensação de que ele está se divertindo em seu personagem, enquanto a falsa ingenuidade de Mirren convence tanto que ela está sendo enganada por Mckellen, quanto que ela possui uma carta na manga. É tão prazeroso assisti-los em cena, que é capaz deles sozinhos conseguirem fazer o espectador relevar alguns dos absurdos propostos pela história.
É uma pena que uma premissa tão interessante tenha se perdido em prol de beats narrativos extremamente previsíveis, havia muitos caminhos interessantes a se percorrer. Com estes personagens mais velhos, o filme poderia tecer um comentário sobre a sexualidade na terceira idade, falar sobre eles lidando com os sites de relacionamento, fazer comentários sobre como é fácil se tornar outra pessoa no mundo virtual ou até mesmo explorar melhor as consequências de um mundo regido pela mentira, mas isso tudo é deixado de lado para causar um impacto mais imediato, clichê (sem querer dar spoiler, mas o foreshadow citado já evidencia o porquê que é clichê) e raso no espectador. E o que parecia ser um filme despretensioso acaba se esvaziando ao imprimir um excesso de seriedade.
A Grande Mentira chega aos cinemas quinta-feira, dia 21 de novembro.