Por: Marcelle Souza
É impossível dizer que Mormaço é um filme inesperado, principalmente para consumidores assíduos de conteúdos audiovisuais. Porém, isso não significa que não seja um filme bom. Muito bom, na verdade. Logo no primeiro minuto, a diretora Marina Meliande já mostra que – por mais que já tenhamos visto histórias parecidas em filmes como Aquarius, Mãe e até Piratas do Caribe – seu longa tem um diferencial.
A história gira em torno de Ana (Mariana Provenzzano), uma defensora pública que se vê presa duas vezes na mesma situação. De um lado, o proprietário do prédio onde ela mora tenta convencer os inquilinos a venderem seus apartamentos para a construção de um hotel. No outro, Ana tenta defender um grupo de pessoas da Vila Autódromo que veem suas casas sendo destruídas pela Prefeitura para a realização das obras antes dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro. No meio desse impasse duplo e em pleno verão carioca, Ana começa a desenvolver manchas em seu corpo, coisa que nenhum médico consegue entender ou curar.
Em meio à metáforas e protestos contra a falta de políticas públicas que acolham o cidadão, Mormaço consegue, de forma brilhante, incluir a fantasia no mundo real. Marina Meliande nos conduz para entrar na história aos poucos e assim, o que poderia parecer surreal, nos parece familiar e, infelizmente, previsível. No entanto, a previsibilidade, aqui, não é um defeito. Não é a reviravolta que importa, e, sim, a história em si. Outro mérito do longa é o mise-en-scène que utiliza os ambientes do Rio de Janeiro para reimaginar obras conhecidas, como Os Retirantes, de Cândido Portinari. Além disso, os cenários são criados de forma que possamos identificar as características dos personagens em seus ambientes particulares (uma delas até lembra a Umbridge, de Harry Potter). A fotografia também é certeira em passar, para o espectador, a ideia de um ambiente caótico, efeito do calor desesperador e do caos na vida da cidade.
Mariana Provenzzano carrega o longa. A atriz interpreta com os olhos e não é difícil perceber, logo no início, que ela está alheia a sua própria vida por se importar muito mais com o bem-estar dos outros. É através dela e sua doença que entendemos as alegorias propostas pelo roteiro com relação à moradia e à falta dela. Dá gosto de ver o cuidado que todos os elementos do filme têm para construir a personagem. Ela é real: tem gostos, prazeres, manias, comete erros, briga, xinga, se questiona, duvida de si mesma… assim como qualquer um do lado de fora da tela do cinema.
O longa participou da seleção dos festivais de Gramado, do Rio de Janeiro e de Rotterdam. Ou seja: só por isso, já vale uma chance de ser assistido. Mas, no fundo, a verdade é que Mormaço pode ser muitas coisas: um entretenimento fantástico, uma crítica social ou uma experiência sensorial de cada um na plateia. Contudo, por mais que exista a chance de você pensar que já viu aquela história antes, o filme consegue te envolver e acertar em cada uma de suas propostas, transformando o fantástico em natural e o corriqueiro em pavoroso.