“Deixe o passado morrer”
O mote principal de Star Wars: Os Últimos Jedi (2017) dava ares esperançosos para o capítulo seguinte da franquia que havia estabelecido personagens tão interessantes como Rey (Daisy Ridley), Kylo Ren (Adam Driver), Finn (John Boyega) e Poe Dameron (Oscar Isaac). Ao enunciar esta frase, o filme abria espaço para que as mais diversas possibilidades fossem exploradas por estes personagens, que eles pudessem seguir seus caminhos independentes da família Skywalker, por mais que esse laço sempre existisse na figura de Ben Solo. No entanto, diante da grande controvérsia que foi a recepção deste longa-metragem, com uma parcela de fãs chegando ao ponto de exigir que o filme de Rian Johnson deixasse de ser canônico, a Disney não só puxou o freio de mão, como seguiu a direção oposta, revivendo e enfiando o passado goela abaixo de seu público.
Esse resgate ao passado começa já na produção de Star Wars: A Ascensão Skywalker com o retorno de J.J. Abrams, que dirigiu o episódio VII (muito criticado por se assemelhar demais ao capítulo IV), às câmeras. Abrams é conhecido por ser um diretor seguro, que busca atender a vontade de produtores, mesmo que ele ainda possua uma certa veia autoral, com seu uso de luzes contrastantes e o característico flare avermelhado. Portanto, o retorno do diretor – que fez um episódio praticamente referencial – à saga naturalmente evidenciava que a Disney tomaria as rédeas da situação e tentaria contornar a polêmica criada no longa anterior, seguindo um caminho seguro. Todavia, essa jornada acaba se tornando um longa-metragem que se preocupa muito mais em realizar uma retcom do que ser um filme que proponha ideias próprias e entregue um final digno para uma saga que perdura por 42 anos, soando como um grande pedido de desculpas pelo filme antecessor.
Ao longo da metragem, diversos diálogos expositivos e situações semelhantes às do episódio VIII são colocadas em tela com o único intuito de negar o que fora proposto no capítulo passado. O filme precisa constantemente se reafirmar para transgredir as ideias de Johnson e tentar agradar a todos os públicos. Com isso, a película acaba parecendo uma grande lista de checagem para amarrar todos os supostos erros cometidos em Últimos Jedi. Para piorar a situação deste novo longa, sua montagem acelerada e sua decupagem equivocada corroboram para a sensação pueril destes acontecimento, pois o filme não se preocupa em exercer um tempo dramático, cortando abruptamente de cena a cena sem dar o menor respiro. Além disso, o roteiro direto e recheado de frases de efeito se propõe a massacrar qualquer ambiguidade que haja na obra, até mesmo as que os fãs adoravam especular a respeito (sim, eu estou falando de Finn e Poe). Não existe sutileza, não há sugestão, há apenas uma grande farsa, pois o longa-metragem diversas vezes se apoia em artifícios fáceis para enganar o espectador, criando situações que em seguida se contradizem ou tirando soluções mirabolantes sem fazer a menor sugestão prévia, como por exemplo sabres de luz tirados do nada e mortes falsas.
Sua adoração ao passado é tanta, que o filme sente a necessidade de reviver um personagem (como sugerido no trailer e nos posteres) há muito tempo morto: o Imperador Palpatine (Ian McDiarmid). Sem muitas explicações, ele retorna para servir de muleta para dar prosseguimento aos arcos narrativos de Rey e Kylo Ren. Para não entrar muito no território dos spoilers, nesta (teoricamente) nova parte, o filme se distancia do pedido de perdão pelo capítulo VIII, mas se apoia em referenciar O Retorno de Jedi. O enredo principal se desenrola a partir da busca por Palpatine e a grande aventura se reduz à procura de um mcguffin que guiará literalmente todos ao grande vilão. Não há mais arcos separados, desenvolvimentos de personagens individualmente, há apenas uma grande aventura simples, direta e reta. Para dar prosseguimento nesta aventura, o filme salta de planeta a planeta mais rápido do que o Han Solo cruza a Corrida de Kessel e abre mão de ambientes visualmente ricos, para entregar locais fechados, escuros ou pouco originais, que é o caso do planeta deserto, que, na minha opinião, é o mais estimulante visualmente, porém igual a Jakku e Tatooine. Portanto, não há frescor, é tudo um amálgama genérico de situações já vistas inúmeras vezes.
Se o filme é todo calcado em reverenciar o passado e agradar aos fãs, suas cenas de batalha precisam ser empolgantes, certo? Afinal, que fã não adoraria ver uma boa luta de sabres de luz? Infelizmente, não é bem assim. Há apenas uma luta entre Rey e Kylo Ren durante o segundo ato que é digna de arrepios, com uma coreografia bem feita e um cenário deslumbrante. No entanto, quando chegamos ao clímax do filme, aí mesmo que a Disney escancara toda a sua cautela, pois o longa apela para o que eu carinhosamente darei o apelido de “efeito Ultimato”, com uma grande batalha final envolvendo todos os personagens possíveis e imagináveis, mas, se em Vingadores isso funciona, aqui isto é apenas jogado de forma abrupta. Além disso, o filme recorre a um outro clichê muito conhecido pelos fãs de filmes de herói: o grande raio azul nos céus.
Chega a ser irônico, então, quando os momentos mais interessantes do filme sejam exatamente os que remetem às cenas de Últimos Jedi: o conflito de Rey entre o bem e mal, a conexão dela com Kylo Ren e a cena final poeticamente mostrando dois sóis. Em meio às suas tentativas de repetir situações anteriores para negar o filme de Rian Johnson, os momentos em que o filme encontra brilho são justamente nos em que ele abraça seu antecessor.
Portanto, infelizmente, A Ascensão Skywalker acaba se tornando um filme covarde. É um filme que tenta negar o seu passado recente, para referenciar o passado mais antigo, mas não consegue articular o peso dessas duas propostas e acaba atirando para todos os lados. Então, para tentar sustentar essa falta de unidade, o filme recorre a artifícios fáceis e aos fan services jogados, numa busca de sugar algum sentimento de seus fãs mais acalorados, porém nem consegue articular isso direito, pois sua checklist é tão grande que tudo passa rapidamente, sem que o drama se sustente. É um desfecho insosso para uma saga tão querida. Resta agora a esperança de que a Disney finalmente possa deixar todos os passados morrerem e passe a explorar novos caminhos nesta franquia tão vasta.