Os Jogos Olímpicos de 1996 em Atlanta, Geórgia ficaram marcados por um episódio trágico: o bombardeio ao Centennial Park. Curiosamente, o evento da união dos povos acabou gerando a ruína de uma família: a de Richard Jewell (Paul Walter Houser). O atentado terrorista rapidamente ganhou toda a atenção da mídia mundial em detrimento da competição que ocorria. A urgência de apontar culpados acabou acusando injustamente o jovem segurança, que passou 88 dias sendo tratado como o principal suspeito pelo bombardeio para, enfim, ser dado como inocente. Baseado nos desdobramentos deste acontecimento, Clint Eastwood lança seu segundo filme em 2019: O Caso Richard Jewell.
“Jewell se encaixa no perfil do terrorista solitário. Um homem branco frustrado que quer ser policial e deseja se tornar um herói.”
Esta foi a sentença de Kathy Scruggs (Olivia Wilde) para convencer o editorial do Atlanta Journal-Constitution a publicar seu furo de reportagem que noticiava sobre Jewell ter se tornado, para o FBI, o principal suspeito do bombardeiro. A partir desta notícia, a derrocada do então herói – pois Jewell quem havia descoberto a bomba – se inicia. O estacionamento de seu prédio é tomado por repórteres e os agentes federais tornam a vida dele e da mãe, Bobi Jewell (Kathy Bates), um inferno. A inserção dessa frase pontual no roteiro de Billy Ray é sintomática, pois ela expõe a visão que temos de terroristas domésticos estadunidenses que, infelizmente, ocasionalmente são noticiados pela mídia. No entanto, nem todos que encaixam neste perfil necessariamente são criminosos. Richard Jewell, por mais que possuísse tais características, não era um terrorista.
Assim como a mídia fez em 1996 durante o caso, Clint Eastwood abusa de licenças poéticas e exageros na apresentação dos fatos. Sua representação quase unidimensional do jornalismo (personificado pela personagem da Olivia Wilde) e do FBI (na figura de Jon Hamm) são uma forma de satirizar e demonstrar o quão falidas são estas instituições, que deveriam ser basilares para os Estados Unidos. Eastwood ridiculariza esses dois pilares e culpa o modus operandi punitivista destes veículos, que muitas vezes preferem apontar culpados e conseguir resoluções rápidas a apurar minuciosamente os fatos. Traçando um paralelo com os tempos atuais, graças ao advento da internet, este comportamento condenatório se faz muito presente, pois pessoas passaram a se tornar jurados das outras sem, muitas vezes, atestar a veracidade das histórias, atingindo seu ápice na tal da cultura do cancelamento. Portanto, esta abordagem que gerou polêmicas e até mesmo frustração para muitos, acaba funcionando para mim
Para corroborar com esse pensamento e hiperbolizar o comportamento vilanesco desses veículos, Eastwood retrata ambos os personagens de como figuras imorais. A personagem de Wilde invade locais privados e transa para conseguir informações privilegiadas, enquanto o de Hamm é capaz de forjar provas para que a investigação obtenha sucesso. Há uma cena para evidenciar o egocentrismo do personagem de Hamm em que agentes policiais de diversas instâncias discutem quem irá conduzir as investigações e Hamm interrompe a discussão dizendo que o FBI quem assumirá o protagonismo. Apesar de ser um diálogo meramente expositivo, ele demonstra um caráter exibicionista tanto do personagem de Hamm, quanto do próprio FBI.
Eastwood vai ainda mais a fundo em sua crítica à polícia estadunidense, pois, ao centrar sua história em um personagem ingênuo e idealista, cujo desejo é cumprir a lei e a ordem, mas que é massacrado por essa mesma força, o diretor escancara o comportamento questionável desta instituição. Em diversas cenas Jewell tenta colaborar com os agentes, mas é apenas usado para que se crie uma narrativa contrária a ele, reforçando ainda mais a ideia de que o FBI prefere os holofotes à verdade.
Enquanto isso, os personagens que circundam Jewell são tratados de forma humanizada, pois não há a necessidade de colocá-los como figuras idealizadas ou excessivamente bondosas, visto que a situação pela qual eles passam já é absurda o suficiente para que o público tome partido por estes personagens. Watson Briant (Sam Rockwell), o advogado de Jewell, por exemplo, dá a entender que pretende se aproveitar da ingenuidade de Richard quando ele ainda era tratado feito herói. Vale notar como que as mulheres pertencentes a esse núcleo são retratadas de maneira vital para os protagonistas. Bobi é tudo para Richard e Watson não seria nada sem Nadya (Nina Arianda). Portanto, Eastwood sabe trabalhar seus personagens e introduzir camadas neles, evidenciando que os vilões rasos são propositalmente assim, por motivos claros já citados
A opressão dos antagonistas é sentida de maneira muito direta. Após a notícia de que Richard é suspeito, Clint Eastwood encurrala seus personagens principais em espaços fechados, fazendo a maior parte do filme se passar em escritórios ou na própria casa de Jewell. Enquanto o filme se passa na casa de Jewell, essa intromissão é constantemente sentida pela presença recorrente de policiais adentrando o recinto e pela presença de flashes de câmeras constantes do lado de fora, cujos sons são emitidos na trilha sonora. Há, também, uma invasão metafórica da mídia através da televisão da casa, que normalmente é ligada no noticiário.
O Caso Richard Jewell é um filme angustiante. Clint Eastwood escancara a falência destas instituições através da retratação de um caso vergonhoso que é uma das manchas da história judicial dos Estados Unidos. O diretor busca reforçar a necessidade de checar os fatos antes de acusar as pessoas através de um drama sólido e consistente, além de mexes com as nossas pré-concepções a respeito de certo tipos de pessoas. Mais uma vez Clint mostra que sabe fazer muito bem cinema.
O Caso Richard Jewell está no Festival do Rio e estréia dia 02 de Janeiro no circuito nacional de cinemas.