O empoderamento feminino sempre foi uma temática presente nos projetos de Greta Gerwig. Desde seus tempos como atriz, em trabalhos como Frances Ha e Mistress America, ela interpretava personagens femininas em busca da ou lidando com a liberdade. No entanto, a atuação não era suficiente para Gerwig e sua vontade de tratar dessa temática de forma mais autoral prevaleceu. É através desse ímpeto que surge Lady Bird, o filme de estréia de Greta atrás das câmeras que, rapidamente, ganhou (com justiça) os holofotes das temporadas de premiações de 2018, isso porque seu autorismo, aliado à atuação da excelente Saoirse Ronan, deram um frescor aos filmes coming of age ao tratar da vida de adolescente californiana de forma naturalista recheada de sarcasmos que brincam com situações cotidianas.
Era natural, portanto, se esperar que Gerwig seguisse esse caminho e mantivesse essa veia autoral contemporânea em novos projetos. No entanto, a diretora e roteirista opta por fazer de seu segundo filme uma adaptação do romance de época Mulherzinhas para a tela grande, mas sem abrir mão de sua sagacidade e sarcasmo característicos. Para isso, ela revive a parceria com Saoirse Ronan e conta com outros nomes de peso, como Emma Watson, Timothée Chalamet, Laura Dern e Meryl Streep.
Ambientada durante período da Guerra da Secessão estadunidense, a história narra a vida da família March ao longo de 7 anos. Acompanhamos o amadurecimento das irmãs Jo (Ronan), Meg (Watson), Amy (Florence Pugh) e Beth (Eliza Scanlen) nesta época e como a relação entre elas evolui. Devido o conflito, a família é forçada a se separar de seu patriarca, que é obrigado a deixar o lar para proteger os Estados Unidos, forçando Mary (Laura Dern), a matriarca da família a prover para todas as filhas sozinha. Sob a perspectiva de Jo, o público é convidado a mergulhar no universo dessa família inteiramente feminina e conhecer as dificuldades que cada uma dessas mulheres tem que passar dentro desta sociedade conservadora para atingir seus objetivos.
É interessante notar como cada uma das irmãs é estabelecida através de uma arte. Jo é determinada e, em alguns momentos, indelicada; ela sonha em se tornar uma escritora famosa e, por isso, possui uma visão de mundo particular. Meg tem um amor pelo teatro e a arte da interpretação se reflete na sua personalidade que, acostumada assistir grandes amores no palco, sonha em viver um próprio um dia. Amy é a mais ingênua das irmãs e espelha muito da sua personalidade em outras pessoas, logo, sua arte é a pintura, que é uma forma dela refletir a visão dela a respeito dos outros. Já Beth, a mais nova, é a mais tímida e quieta do quarteto e, obviamente, sua representação é pela música, aonde ela se sente confortável e possui uma voz: as notas do piano.
A grande sacada de Greta Gerwig é quebrar a linearidade da narrativa do livro. Com uma montagem paralela e ajuda do diretor de fotografia de Yorick Le Saux, a autora estabelece uma dicotomia entre passado versus presente e vai transita entre esses tempos a medida que a história se desenvolve. Iniciando-se no presente, vemos uma Jo frustrada tentando perseguir a carreira como escritora na fria Nova Iorque tendo projetos rejeitados por ser uma mulher que escreve textos gráficos demais. Ela recebe um chamado para retornar para casa e, ao longo do retorno, Jo vai relembra de acontecimentos passados e do quão doce era sua infância. O presente é duro, as responsabilidades chegaram, logo, sua representação é feita através de uma fotografia fria e dessaturada; em contrapartida, o passado é caloroso, solar e pintado com cores vivas. Esse paralelismo imprime um sentimento nostálgico, mas também levanta suspeitas de que alguma tragédia acontecera com esta família.
Durante essa viagem ao passado, vemos como a família dá suporte uma pra outra e como estas personagens se ajudam a crescer e amadurecer para alcançarem seus sonhos e desejos, empoderando umas as outras. É interessante observar a batalha individual de cada uma dessas mulheres para atingir o reconhecimento em um período essencialmente machista e patriarcal. Aqui entra outro grande acerto de Greta, que utiliza seu roteiro para subverter o imaginário de um conto feminista, pois, para a autora, esses desejos podem sim passar por um casamento, não precisa implicar exclusivamente na realização profissional que culmina na solidão da mulher e, para isso, a diretora e roteirista insere uma mensagem sobre escrever a sua própria história, com suas próprias vontades, representada pela trajetória da personagem de Saoirse Ronan.
Com essa moral bem evidente, Adoráveis Mulheres acaba se tornando um conto de Natal, pois, o altruísmo constante de todas as personagens femininas do filme elevam o astral da narrativa e incentivam o espectador a seguir seus sonhos. Há a presença de momentos melodramáticos, mas todas as cenas mais emocionalmente exigentes acabam se tornando poesia de alguma forma, ajudando a complementar a leveza do filme. É um filme divertido, empoderador, que chega despretensioso e consegue aquecer o coração de qualquer um.
Adoráveis Mulheres participou da noite de abertura do Festival do Rio com uma sessão única e estréia em todo o Brasil à partir do dia 09 de Janeiro de 2020.