No último ano, diversos veículos de imprensa anunciaram deslocamentos em massas, em que milhares de famílias deixaram suas casas por conta da guerra na Síria. No entanto, a situação de refúgio é algo muito mais extenso e bem menos pontual. Há diversas razões que levam uma pessoa, ou várias pessoas, a buscarem abrigo em um lugar que não o seu próprio berço. O documentário Human Flow – Não Existe Lar se Não Há para Onde Ir foi lançado no Festival de Veneza e trata deste extensivo e delicado tema.
Dirigido pelo artista chinês Ai Weiwei, os 140 minutos do longa-metragem retratam a situação de milhões de refugiados ao redor do mundo. Foram cerca de 20 países visitados para contar a história de milhões de pessoas, como Grécia, Turquia, Alemanha e França. A ideia central do longa era cobrir todos os pontos que envolvem a temática. Realmente mostrar que fome, miséria, guerra e política estão dentro dos diversos motivos que levam à imigração, e que podem vir separados ou em conjunto. Essa ideia ambiciosa do diretor pode servir apenas como um start para uma discussão que possui muitos ramos.
Ao tentar mostrar todas as 23 realidades, nos 23 países, o filme acaba perdendo a oportunidade de realmente se aprofundar na temática proposta. São muitas realidades, muitas motivações e situações diferentes para se colocar em uma única película, o que torna a experiência um pouco superficial e bastante generalista. Talvez para tal proposta fosse melhor ter realizado uma mini-série documentária. Além disso, a direção peca bastante ao não estabelecer uma ordem lógica ou proposital para mostrar as histórias e focos de refúgio. Não existe um ponto de partida e nem um ponto de chegada. Entretanto, o filme acerta ao expor de forma seca e real a realidade das histórias apresentadas. Para tocar o público não é preciso recorrer a exageros narrativos, é melhor deixar as histórias se mostrarem para audiência e foi exatamente isso que Human Flow fez.
Outro ponto que merece destaque é que o longa traz fontes diversificadas sobre o assunto. Há representantes de ONGs, jornais e até autoridades políticas. É possível ver que foi realizado um cuidadoso trabalho de pesquisa. Não há nenhuma intenção de ser sensacionalista, a ideia é de cativar a empatia do espectador apenas deixando o assunto falar por si. Ainda, o próprio diretor apareceu por diversas vezes interagindo com os grupos de refugiados, mostrando uma curiosidade e preocupação legítimas para com o tema e com isso, de forma sutil, provoca a participação mais ativa de todos dentro desta questão.
Ai Weiwei além de diretor também é artista plástico e por isso, talvez, a estética de seu filme não seja de fácil entendimento e nem mesmo atraia a muitos espectadores. Há diversas cenas pontuais jogadas no meio de cenas mais documentadas com intuito de acrescentar alguma poética ao filme. Porém, muitas vezes o sentido dessas cenas não são de fácil associação para quem assiste, como, por exemplo, a cena em que um rapaz treina um cavalo para andar em círculos. A fotografia pode incomodar um pouco, há muita preocupação estética dentro de um assunto tão importante, nos levando a questionar sobre o que é mais importante: um filme visualmente bonito ou realmente mostrar as problemáticas dentro deste assunto. Por último, ao mostrar o cotidiano das pessoas refugiadas, o diretor acaba pendendo pro lado da normalização de uma situação terrível, que mata e causa sofrimento para milhões de pessoas. Parece que todos estão acostumados com aquela situação e é isso, tornando-se uma contradição dentro da proposta de outros momentos do longa.
Human Flow é um bom ponto de partida para que as pessoas possam começar a buscar entender a situação de refugiados no mundo inteiro. É um documentário que deve ser encarado como uma introdução a um tema muito mais profundo, muito mais amplo e muito mais grave do que o mostrado.
(Atualizado em 18/11/2017)