Bom, já faz uma semana desde a estreia da segunda temporada de Stranger Things, série original da rede de streaming Netflix, ou melhor Stranger Things 2, que é como os Irmãos Duffer brincam intitulando a segunda temporada como uma sequência, em homenagem aos filmes clássicos dos anos 80.
A primeira temporada, obviamente, surpreendeu e arrecadou um público gigante em tão pouco tempo e criou uma tremenda expectativa pela sequência, que levou mais de um ano para ser lançada, e como o seriado é publicado por inteiro, parece ainda mais tempo, com isso, a segunda temporada chegou carregando um enorme hype, que fez os fãs ficarem muito emocionados, principalmente ao repetir a fórmula que agradou na primeira temporada, e de utilizar da clássica fórmula das sequências – deixar tudo maior para parecer melhor!
É claro que a segunda temporada soube desenvolver mais os personagens apresentados na primeira, e inclusive dar tempo de tela para aqueles que não tiveram – como o coitado do Will Byers (Noah Schnapp) – e apresentar as famílias do elenco, que ainda não haviam aparecido, como a família Sinclair e a família Henderson, inclusive, família foi um tema bem recorrente ao retratar o laço paternal de Jim Hopper com a pequena El – que agora descobriu seu verdadeiro nome Jane (Millie Bobby Brown), descobriu sua mãe, tia, e sua irmã de criação. Mas não estamos aqui para fazer uma resenha da temporada, se quiser, confira a crítica escrita por Gabriella Ponte aqui no site.
Muitos empolgados por tais motivações consideram que Stranger Things 2 consegue superar a primeira temporada, mas tal avaliação não passa de ilusão de ótica. Não querendo desconsiderar a nota da Gabriella, mas sim com o intuito de acrescentar – aliás, eu concordei com a nota dela – Stranger Things 2 peca e muito em questão de produção, roteiro e montagem, superando-se apenas em performance, efeitos visuais e trilha sonora – claro, é o de se esperar. Mas por que a produção, o roteiro e a montagem é assim tão inferior a da primeira temporada?
Falta de atenção na marcação e edição
A primeira temporada tinha uma montagem impecável, que revelava a trama gradualmente sem dar spoiler visual, e isto é ótimo. A segunda temporada não foi diferente, mas houve uma preocupação menor para com o continuísmo. Eu não sei se por razões de preguiça ou de tempo limitado, mas fica claro que a pós-produção não teve muitos olhos atentos para a revisão da edição, ou mesmo não teve uma atenção a marcação da direção nas horas das tomadas de cena. Eu como editor de cinema percebo muitos e muitos erros de continuísmo que chegam a me dar nos nervos, não é algo que vá atrapalhar a narrativa, mas incomoda quem tem um olhar mais atento. Muitas pessoas que não são fanáticas por Stranger Things – ao contrário do mundo – perceberam, e eu, que sou sim declaradamente fã da série, pude perceber também e não fui cego ao dizer que não existem problemas.
Se você não sabe do que estou falando, repara logo no início, quando o dono da segunda fazenda envenenada, vai dar parte a polícia em acusação ao primeiro dono, que acusou este. As tomadas com o Xerifer Jim Hopper (David Harbour) não são bem coreografas, fazendo o mesmo movimento mais de uma vez em sequências de segundos, entre outros erros que se prolongam pela temporada. Outra coisa que incomoda muito na edição é como alguns diálogos são picotados – isto é uma técnica bem recorrente para disfarçar o timing para que alguma sequência não fique em si cansativa e exaustiva para o público, mas no caso de Stranger Things em que a direção era bem cuidadosa para com as crianças e estas atuavam muito bem, picotar seus diálogos desmerece e muito.
Existe um momento, no quarto episódio – Will o Sábio, em que Will fala com sua mãe Joyce (Winona Ryder) sobre o que ele sente em relação as suas Now Memories, e o garoto dá um espetáculo, e estava claro, pela câmera se aproximando, que a intenção era deixar o máximo de tempo possível em sua performance para que pudêssemos observar seus trejeitos, mas a pós-produção não deixou. Cortes como estes acontecem inúmeras vezes no decorrer da temporada e sem muita necessidade – onde deveria mesmo ocorrer, não ocorre, como em algumas sequências do sétimo episódio – A Irmã Perdida – que se tornaram cansativas para o público comum.
Novos personagens mal desenvolvidos
A apresentação de novos personagens numa sequência faz muito sentido, principalmente em um seriado que não se baseia em uma obra original, e o roteiro lida com a recepção do público, além de imprevisibilidades do elenco – como o recente caso envolvendo o Charlie Heaton, que interpreta o Jonathan Byers na série – e assim poder expandir o universo criando alternativas, como um novo bully chamado Billy (Dacre Montgomery, inclusive o nome do personagem segue a regra de John Hughes, em que são nomeados por trocadilhos com as personalidades – Billy/Bully e Max (Sadie Sink) que é o máximo para os olhos dos meninos e é incluída para ser obviamente a nova menina da turma e que totalmente opõe as características de El. Também temos uma nova figura paterna, o Bob (Sean Austin, sua introdução é claramente uma homenagem a Os Goonies, uma das principais inspirações para o seriado. Inclusive é bem legal de assistir o Beyond Stranger Things – O Universo de Stranger Things – na Netflix em que os produtores contam como foi a escalação do ator. Temos também um novo investigador cínico que é o Murray (Brett Gelman) e um novo chefe do Laboratório de Hawkins, que faz oposição ao personagem de Matthew Modine na temporada anterior.
Mas qual o problema destes personagens? Veja bem, o tempo de tela é curto para tantos – são cerca de 14 personagens centrais na trama para apenas 9 horas de seriado. Sendo que, 10 destes personagens já haviam sido apresentados e desenvolvidos antes, e é claro, é muito legal ver mais tempo de tela para aqueles que agradaram na primeira temporada, tal como o surpreendentes Dustin (Gaten Matarazzo) e Steve (Joe Keery) que se uniram justamente por motivos de que foram concebidos de uma maneira e tomaram rumos diferentes por conta do carisma de seus intérpretes, criando assim um conflito em seu objetivo de vida, deixando-os perdidos, mas amarrando-os um ao outro – um dos melhores acertos da temporada. Porém, uma das melhores características do enredo da primeira temporada era o arco dos personagens apresentados, todos tinham pelo menos três atos – introdução, desenvolvimento e conclusão, mesmo com as pontas soltas – sendo que nesta temporada só tiveram dois atos, um problema bem comum em segundos filmes de franquias famosas como Piratas do Caribe e Matrix que apresentam tantos novos personagens que não tem tempo de desenvolvê-los e deixa a conclusão para todos no terceiro filme que acaba se tornando vazio como consequência.
Assim, os personagens apresentados não tiveram uma boa conclusão de seus arcos, tornando-se menos interessantes do que os já apresentados. É claro que não dá pra tomar tempo de tela dos personagens anteriores, mas pelo menos dava pra concluir o arco dos novos em pouco tempo de tela sim e ainda fazê-los com que movam com a trama, coisa que não aconteceu. O único personagem que teve uma conclusão – previsível por sinal – e que moveu a trama, foi o Bob. Aliás, vamos falar sobre o previsível agora.
Vícios de roteiro
É claro que, para agradar o público da primeira temporada, são repetidas várias fórmulas, mas isto não é o problema. O problema é quando o roteiro já não sabe mais para onde ir e tem que ser preenchido com decisões despreocupadas. Em Beyond Stranger Things, o ator Sean Austin comenta que a morte do Bob foi alterada por sua insistência. Até porque o personagem havia sido concebido para ser assassinado pelo Evil Will no quarto episódio, numa espécie de justificativa de roteiro de dar cabo ao personagem que causou o problema – como se Bob fosse realmente culpado pelo que houve ao Will no terceiro episódio, O Girino. Mas graças ao carisma de Sean Austin, o personagem durou mais – e foi bem melhor assim, porém, ele precisava morrer, porque a produção já havia se decidido sobre o final – a família Byers não iria se mudar da cidade, e Joyce iria se reaproximar de Jim Hopper, como tudo indicava – Hopper que já é desde o início mostrado como uma ótima figura paterna e um pai solitário, logicamente tem que se juntar com a mãe solitária que está junto com ele enfrentando os mesmos problemas – típico.
Mas na tentativa de tornar o personagem do Bob menos descartável, ele é morto pelos demodogs salvando todos, sendo que tudo ali indicava que isto aconteceria – impressionante seria se ele fugisse e fosse morto em outro momento, como chegando em casa. Mas seu desfecho não tornou o personagem menos descartável, logo que no final, quando as crianças estavam no Snowball e Joyce e Jim se encontraram para dividir um cigarro no estacionamento, dá-se a entender que foi bom para o andamento da série a morte do personagem e sério, gente – isso é bizarro! Além de que o elenco é salvo pelo gongo inúmeras vezes – são muitas as sequências em que os personagens encaram a morte e os inimigos se retiram por que algo era mais importante em outro lugar do mundo, porque sim! Lembra muito o tão criticado final do filme Tubarão que é uma das influências para o roteiro declaradamente. Além de personagens que vão e voltam pontualmente no momento em que é conveniente para o roteiro – como a El chegando quando o elenco mais precisava, na casa dos Byers. Tal tipo de vício não era recorrente na primeira temporada e isso enfraquece sim o conjunto.
Uma das coisas que mais gostei na primeira temporada também foi o final imprevisível para o casal Steve e Nancy (Natalia Dyer) – onde tudo indicava que no final ela se uniria a Jonathan, mas aconteceu o imprevisível. Aparentemente o final não agradou a maioria do fandom que insistiu para que o casal ficasse junto na segunda temporada. Bom, isso foi uma decisão que agregou bastante ao personagem do Steve, mas não a Jonathan e Nancy.
Cliffhanger desnecessário.
Para quem não sabe, cliffhanging é uma técnica de roteiro a fim de prender o público para a sequência. Normalmente é apenas uma forma para mostrar que as pontas soltas terão respostas na sequência ou para fazer o público continuar assistindo. É muito útil em seriados, e Stranger Things faz isto muito bem, pondo ganchos no final do episódio para que você não largue da Netflix a tempo de se retirar antes da contagem regressiva para o próximo episódio acabar. Porém, em Season Finales, esta técnica prejudica muito. O tão criticado final da sexta temporada de The Walking Dead é um exemplo de cliffhanging desnecessário, pois criar expectativa para uma resposta previsível cria o ódio e faz o público largar, mas se a resposta previsível ocorresse sem o cliffhanger, não seria tão odiado, pois não haveria expectativa para tal. A primeira temporada de Stranger Things termina com ganchos para uma sequência necessária – afinal, não sabíamos se El estava viva ou não e também não sabíamos ainda se as Now Memories do Will eram verdadeiras ou apenas alucinação, tal como o caso da larva que este cospe na pia também. Ou seja, muita coisa claramente precisava de resposta e precisávamos, como público, saber que estas perguntas não foram ignoradas mesmo no último minuto.
Já na segunda temporada, tantas deixas são levantadas, que o final cliffhanger não era necessário. Os Irmãos Duffer declararam em Beyond Stranger Things que o final feliz da segunda temporada era planejado justamente para se diferenciar do final tenso da primeira temporada. Sendo que, o sétimo episódio já havia deixado dúvidas em aberto, quando El vai em busca de sua origem e descobre um universo totalmente diferente do qual ela estava situada e que muitos dos seus inimigos ainda estão vivos e mais crianças psíquicas podem estar vivas também, mas como o roteiro precisava da personagem em Hawkins, não dava tempo de prosseguir sua aventura. Okay – entendemos, saberemos disto na próxima temporada. Além disto, após o ato de exorcismo de Will, a entidade sai do corpo do garoto para o mundo real – isto já era inesperado, pois até então a entidade só existia no Upside Down – e voa para o céu de Hawkins. Ou seja, fica claro que o Devorador de Mentes estava usando o Will de marionete para se libertar no mundo real e conseguiu. Mas no Season Finale, vemos um finalzinho em que o Devorador de Mentes finalmente alcança a escola e observa de perto ao som da música tema dos stalkers Every Breath You Take da banda The Police – a sequência em si não existe na narrativa, ela existe visualmente para apenas o público, pois ninguém está vendo o que nós vemos, e ela não acrescenta em nada ao roteiro, pois chegará a próxima temporada e passará-se um ano após os eventos e o monstro não terá realizado consequência nenhuma.
Conclusão.
Como eu disse no início do artigo, da forma como tudo foi realizado em muito maior escala do que na primeira temporada, tudo parece melhor, mas depois de um tempo parando pra pensar com mais calma, ou até mesmo revendo, existem vários vícios que empobrecem a produção – a mim foi ainda pior, pois me incomodava demais enquanto assistia, e ao assistir de novo, só confirmava que não era implicância da minha cabeça. Muitas fórmulas já eram utilizadas na primeira temporada, mas de forma bem mais sútil, sem precisar fazer o espectador de burro. Mas ao mesmo tempo, após assistir Beyond Stranger Things, a temporada ficou muito mais palpável, pois você entende o porquê de algumas decisões pobres e que funcionam – é claro que funcionam, esta temporada está sendo muito mais aclamada que a primeira, então quer dizer que funcionou, né?